Capa de Viagem ao Centro da Terra

Um pergaminho sujo escorregou do livro e caiu no chão.

Meu tio se lançou sobre aquela imundice com uma avidez fácil de se imaginar. Um velho documento, esquecido desde um tempo imemorial entre as páginas de um livro antiquíssimo, a seu ver não podia deixar de ter o mais alto valor.

– O que é isso? – ele se espantou.

Ao mesmo tempo, com todo o cuidado ele estendia em cima da mesa o pedaço de pergaminho, que tinha quatorze centímetros de comprimento por oito de largura, com uns caracteres misteriosos traçados em linhas transversais.

Abaixo, faço questão de mostrar o exato fac-símile desses estranhos sinais, pois foram eles que levaram o Professor Lidenbrock e o seu sobrinho a empreenderem a mais estranha expedição do século XIX.”

VERNE, Jules. Viagem ao Centro da Terra. p. 28.

 

Esse mês tem duas datas comemorativas de temáticas sobre as quais a literatura trabalha proficuamente desde sempre: o dia das crianças (12/10) e o dia das Bruxas 31/10 (Halloween), que é bem próximo do dia dos mortos (02/11). Nessa onda de datas marcantes no mês de outubro e início de novembro vamos proceder da seguinte forma: duas semanas de infanto-juvenil e duas semanas de terror/suspense/mistério.

Capa de 20 Mil Léguas Submarinas, de Jules Verne

Para começar, ele que já tem texto sobre Vinte Mil Léguas Submarinas e escrevia para todos os públicos, e criou suas histórias com forte influência sobre o público infantil: Jules Verne.

Minha filha, de sete anos, me disse um dia: “Mamãe, quero ler livros grossos como os seus!”. Então fizemos um trato, toda noite eu leria para ela uma parte de um “livro grosso” e em troca ela leria inteiro ou uma parte de um “livro fino” para mim. Essa troca tem sido bem útil no processo de alfabetização dela, mas não é tarefa muito simples encontrar “livros grossos” que sejam aprazíveis para nós duas. Às vezes quando ela está muito envolvida com a história eu digo, se você ler para mim um parágrafo eu leio para você mais um capítulo ou algumas páginas. E bingo! Ela faz aquele esforço para satisfazer a curiosidade.

Ilustração de Édouard Riou, para a edição de 1867.

Foi nessa busca que chegamos a Viagem ao Centro da Terra. Eu já sabia que era mais leve que Vinte Mil Léguas Submarinas, que para ela será melhor daqui a uns aninhos. Não era tão extenso, o que para nossos critérios era bem desejável. E assim iniciamos a leitura.

Obstáculo: o vocabulário. É bom que a criança tenha um adulto para leitura conjunta, porque tive que parafrasear algumas passagens com palavras mais simples, afinal Voyage au Centre de la Terre, foi lançado na segunda metade do século XIX. É natural que algumas palavras sejam um pouco mais rebuscadas para o vocabulário infantil. Adultos não terão nenhuma dificuldades, pois a leitura é bem fluida.

Resultado: ela amou, gargalhou, vive dando lembrando trechos de aventuras desse livro. Todo dia na hora do almoço contava para o pai o que tinha acontecido com professor Lidenbrock na noite anterior.

Usamos a edição da editora Zahar, comentada e ilustrada. Linda demais!

A história começa na cidade de Hamburgo na Alemanha. O Professor Otto Lidenbrock leciona no curso de geologia da prestigiada universidade local e é uma autoridade no tema. Ele é também um fanático por livros antigos e adquire uma raríssima edição de um livro finlandês do século XII chamado Heimskringla, cujo autor era um político islandês chamado Snorri Strurluson. Trata-se de um título de um livro verdadeiro, aliás Viagem ao Centro da Terra é cheio de referências a obras e personalidades que realmente existiram.

Dentro daquela preciosidade bibliográfica havia um pergaminho, escrito em código, usando caracteres do alfabeto islandês antigo. Com pouca análise, Lidenbrock percebe que aquele pergaminho, tinha sido redigido pelo alquimista islandês Arne Saknussemm (personagem fictício).

Ilustração de Édouard Riou, para a edição de 1867.

E então está dado o tema da primeira parte do livro que é decifrar o conteúdo do pergaminho. O Professor dá ordens malucas para que ninguém coma até que ele saiba qual o conteúdo, fica fraco, trabalha como um louco nas mais complexas combinações a fim de desvendar o código.

Outro personagem principal é Axel, que inclusive é o narrador, sobrinho de Lidenbrock e estudante de Geologia. Axel mora com o tio e parece depender financeiramente dele. Outro fato sobre esse sobrinho é que ele secretamente namora a outra sobrinha de Lidenbrock, Grauben, os três se interessam por geologia, porém não tanto quanto o professor.

Axel por muitas vezes finge entusiasmo e dá corda às cismas do tio para agradá-lo. É como se tivesse medo de ser devolvido a sua casa de origem se o tio não apreciasse seu interesse acadêmico.

Esse desinteresse genuíno combinado com o interesse forçado pelas coisas do tio, vai ser fundamental para decifrar o pergaminho, que contém instruções para uma viagem ao centro da terra.

Então partem para a Islândia. O plano era seguir os passos de Saknussemm, escalar um vulcão inativo, entrar pela cratera e descer até o centro da Terra.

Assim podemos dividir a aventura em três partes: a descoberta e decodificação do manuscrito, a ida de Hamburgo até o vulcão e a efetiva descida rumo ao centro da Terra.

Em relação a Vinte Mil Léguas Submarinas, Viagem ao Centro da Terra é bem mais agradável de ler, embora a trama não seja tão complexa. Isso se deve à quantidade de informações científicas, que nessa obra é menos detalhada, e, portanto, menos cansativa. Preferi a trama de Vinte Mil Léguas Submarinas e a escrita de Viagem ao Centro da Terra.

Sobre o manuscrito de Saknussemm e a dificuldade que aqueles instruídos homens da ciência tiveram para desvendar o conteúdo, faremos o paralelo com o Manuscrito Voynich.

Parte do Manuscrito Voynich

Que diabos seria o Manuscrito Voynich? É o livro que ninguém consegue ler. Estima-se que essa obra tenha sido redigida no século XV.

O manuscrito foi adquirido em 1912 por Wilfrid M. Voynich, um livreiro polaco-estadunidense, e desde 2005 compõe a coleção de obras raras da Universidade de Yale.

Desde 1912, estudiosos e mais estudiosos de todas as partes do mundo tentam decifrar aquela língua estranha e compreender o conteúdo do manuscrito. Prestes a jogar a toalha, criptólogos chegaram a declarar que aquele material de mais de quatrocentas páginas era um embuste. Essa hipótese tem sido rejeitada, mantendo o fascínio pelo material.

O manuscrito não é apenas composto de palavras, aliás ele é ricamente ilustrado com desenhos coloridos e detalhados, o que permitiu dividir os temas em seis capítulos: fitoterapia, astronomia, biologia, cosmologia, farmacêutica e receitas.

Manuscrito Voynich

A obra está devidamente copiada e disponível no site da Universidade de Yale.

O historiador Nicholas Gibbs disse ter identificado palavras latinas abreviadas e reforçou a hipótese de ser um tratado medieval sobre múltiplos assuntos. Gibbs vem sendo refutado por outros aficionados pelo tema. O que indica que estamos longe de saber do que se tratam aquelas páginas.

Uma descoberta arqueológica que deu origem a toda uma corrente importantíssima de estudos, também tem a ver com escrituras até então indecifráveis: a Pedra de Roseta (Rosetta Stone). Descoberta na cidade de Roseta no Egito em 1799, essa maravilhosa rocha está exposta no British Museum em Londres, pois está em posse dos ingleses desde 1802.

Todo o ramo de estudos chamado egiptologia, só é possível graças à Pedra de Roseta. Por anos pesquisadores tentaram entender o que queriam dizer os desenhos que pareciam contar histórias e estavam por to

da parte das escavações arqueológicas do Egito antigo. A pedra contém gravado em baixo relevo um decreto estabelecendo o culto ao Faraó Ptolomeu V, redigido e promulgado por sacerdotes no ano 196 antes de Cristo.

Por ter sido dividida em três partes e em cada uma dessas partes o mesmo texto constar redigido com língua e grafias diferentes, esse artefato propiciou a decodificação dos hieróglifos, presentes na porção superior, por comparação à escrita demótica, na parte do meio, e com a mais conhecida que era o grego antigo, constantes na faixa inferior.

Essa é das descobertas arqueológicas mais importantes da história da humanidade, porque a leitura dos hieróglifos permitiu desvelar detalhes de uma civilização milenar, complexa e que deixou registros inestimáveis, que ainda não tinham sido lidos adequadamente.

Posteriormente outras pedras com escritos em três idiomas foram descobertas reforçando as conclusões obtidas pela análise da Pedra de Roseta.

VERNE, Jules. Viagem ao Centro da Terra. Tradução: BASTOS, Jorge. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

https://beinecke.library.yale.edu/collections/highlights/voynich-manuscript