Capa do livro O papel de parede amarelo, de Charlotte Perkins Gilman.

“Às vezes tenho uma raiva irracional de John. Estou certa de que não era tão sensível antes. Acho que isso tem a ver com meus nervos.

Mas John diz que, se me sinto assim, acabarei perdendo o autocontrole – portanto, faço um esforço para me conter, ao menos diante dele, e isso me deixa muito cansada. (…)

John é muito atencioso e amável, não permite que eu dê um passo sequer sem instruções especiais.”

GILMAN, Charlotte Perkins. O papel de parede amarelo. Pg 15.

 

Em fins do século XIX, uma mulher, casada, mãe de um bebê, sofre de uma doença psíquica que parece ser uma grave depressão. John, o marido médico, entende que para a recuperação da esposa o melhor era que eles alugassem uma casa de campo por 3 meses, para que ela respirasse o ar puro e descansasse. Em paralelo a casa do casal estava passando por uma reforma.  Esse marido passa a maior parte do tempo na cidade deixando-a por longos períodos aos cuidados de uma criada chamada Jennie.

Era uma casa antiga de estilo colonial, nos Estados Unidos. Tinha dois pisos, sendo o primeiro bonito e com portas e janelas que davam para o jardim. Ela queria ficar hospedada no primeiro piso. John não concordou, dizia que o quarto do segundo piso era maior e tinha mais luz.

A grande questão da casa estava nesse quarto que era grande de fato, mas tinha móveis descombinados, grades na janela e a cama era pregada no chão. Ela odiava tudo no ambiente do quarto, especialmente, o papel de parede amarelo. Ela definiu como horroroso o papel amarelo, achava sua padronagem de mal gosto, os encontros entre as folhas mal feitos, os tons de amarelo irritantes. Mas o marido não cedia em deixa-la mudar o papel de parede. Também não a permitia acomodar-se em outro quarto, ir para outra casa, sair de casa, receber visitas sem autorização e presença dele e nem escrever. O irmão dela, também médico, concordava com essas prescrições.

A narradora mantinha um diário escondido da família e aos poucos foi registrando toda a estranheza que o papel despertava nela, até chegar ao ponto de descrever aquele revestimento como se ele aprisionasse mulheres e essas mulheres estivessem suplicando por ajuda. Por vezes, o odioso papel de parede foi sua única companhia e tudo que ela tinha para pensar. A relação com o tal papel foi deteriorando o estado mental, já comprometido, da personagem.

O que poderia ser a história de uma mulher oprimida por um marido sabichão, paternalistas e autoritário, acaba se revelando um thriller psicológico com um final aterrorizante e inesperado. Algo como os últimos versos da canção Qualquer dia, de Ivan Lins e Vitor Martins, interpretada por Elis Regina: “Logo quem me julgava morta, me esquecendo a qualquer custo, vai morrer de medo e susto, quando abrir a porta”.

É esse o clima do conto O papel de parede amarelo, de Charlotte Perkins Gilman, escrito em 1890 e publicado em 1892. Um livrinho pequenininho, porém poderoso.

Cartaz de The Sinner, de Jessica Biel, Michelle Purple, Derek Simonds, Antonio Campos e Charlie Gogolak.

Existe um problemático papel de parede em outra obra que impressionou muitíssimo: a primeira temporada da série da Netflix, The Sinner. Estrelada por Jessica Biel, que faz a personagem Cora Tanneti, e por Bill Pulman, como o detetive Harry Ambrose. A história é sobre um detetive que ajuda uma mulher a reconstituir os reais motivos que a levaram a cometer um assassinato, aparentemente num surto psicótico. Essa temporada da série é baseada no livro best seller The Sinner, de Petra Hammesfahr.

À medida que desenrolam os episódios o espectador  descobre que Cora sofreu muitos abusos psicológicos e físicos por personagens como os pais, irmã, primeiro namorado e outras pessoas com quem se relacionou. Desde o primeiro capítulo, percebe-se que Cora se sente perturbada por visões de um papel de parede, que ela nem mesmo sabe em que parede está, apesar de se sentir muito mal ao lembrar do arabesco do padrão. Mais uma vez, o papel de parede remete a uma situação de cárcere privado e abuso. Vamos parar por aqui para não estragar o plot twist. Não assisti às outras temporadas da série, mas essa foi uma grata surpresa, ainda mais para quem, como eu, costuma dar pouca atenção a histórias policiais. Se bem que The Sinner pode ser considerado mais uma história de suspense/terror psicológico que policial.

Voltando ao marido sabichão, que recorre a técnicas médicas e ao seu próprio autoritarismo e paternalismo para lidar com a esposa, a série Mad Men, da Lionsgate Television, teve uma pequena participação da atriz Alexis Bledel no papel de Beth Dawes.

Cartaz de Mad Men, de Matthew Weiner e Scott Hornbacher.

Aquela personagem, que aparece apenas na 5ª temporada nos episódios de 8 a 13, era uma dona de casa dos anos 60, casada com um corretor de seguros. O marido de Beth mantinha casos extraconjugais. Uma noite ela aceita a carona do personagem Pete Campbell (Vincent Kartheiser), também casado. Ela relata que o marido a está traindo e naquela noite inicia um caso com Pete, que além dar a carona entrou em sua casa pois precisava se certificar de que não estava “histérica”. O marido de Beth a interna em uma clínica psiquiátrica, apesar de ela não estar com problema nenhum, convencendo-a que era para o seu próprio bem. O real motivo era um tratamento de eletrochoques que a faria esquecer os acontecimentos mais recentes, incluindo o fato de estar aborrecida por ele ter um relacionamento fora do casamento.

Charlotte Perkins Gilman, foi uma autora ousada para sua época. O papel de parede amarelo foi rejeitado por vários editores por ser considerado de conteúdo perigoso. Somente foi reconhecido por suas qualidades literárias 20 anos depois da publicação. Ela é considerada uma das primeiras autoras feministas nos Estados Unidos. Gilman questionava como poderiam ser completas as mulheres que eram constantemente criticadas, censuradas e privadas de circulação, pois passavam grande parte do tempo confinadas em casa. Por suas ideias, Gilman foi considerada subversiva para sua época.

GILMAN, Charlotte Perkins. O papel de parede amarelo. 7a edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 2020.

BIEL, Jessica. The Sinner. Primeira temporada. EUA: Universal Cable Productions, 2017.

WEINER, Matthew & HORNBACHER, Scott. Mad Men. EUA: Lionsgate Television, 2007-2015.

 

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