
Capa do livro O Olho Mais Azul, de Toni Morrison.
“Cá entre nós, não houve cravos-de-defunto no outono de 1941. Na época pensamos que era porque Pecola ia ter o bebê do pai dela que os cravos-de-defunto não cresceram. Um pequeno exame e muito menos melancolia nos teriam provado que as nossas sementes não foram as únicas que não brotaram: as de ninguém brotaram. (…)
(…) O que está claro agora é que, de toda a nossa esperança, do medo, luxúria, amor e pesar, não resta nada além de Pecola e da terra improdutiva. Cholly Breedlove está morto; nossa inocência também. As sementes murcharam e morreram; o bebê dela também.”
MORRISON, Toni. O Olho Mais Azul. Pg. 8.
Esse acima é um dos primeiros parágrafos do livro O Olho Mais Azul, de Toni Morrison. Logo na entrada já anuncia que a história de Pecola será impactante, triste, revoltante.
Pecola Breedlove é uma menina de 11 anos, de família preta e extremamente pobre, que vive no sul dos Estados Unidos. Mora em uma loja abandonada com a mãe, Pauline Breedlove; o pai, Cholly Breedlove e o irmão Sammy, de 14 anos. A família de Pecola, e ela própria, pode ser incluída na categoria “bicho” discutida no texto Vidas Secas – Animalização do ser humano: agem por instinto, são violentos ou acuados, apenas sobrevivem.
Como está claro na entrada do livro, Pecola foi estuprada e engravidou de seu próprio pai aos 11 anos. A esse fato a mãe reagiu acusando a menina por ter roubado seu marido.

Arte de divulgação da peça de teatro The Bluest Eye.
A personagem é descrita como preta e feia, todos os Breedlove são considerados feios demais. O sonho dela é ter olhos muito azuis, para então deixar de ser feia e passar a ser bem tratada e admirada. Ela mora em um bairro de pessoas pretas, mas percebe que os que tem tom de pele menos escuro recebem atenção positiva, ao passo que ela é sempre mal recebida
O livro se passa em flashback, contando as histórias da vida de Pecola e sua amiga Claudia MacTeer para explicar todas as humilhações vividas na escola, no bairro e em qualquer lugar que fosse. Narra os efeitos da violência (física e psicológica), racismo velado ou declarado, machismo e culto à aparência física idealizada e branca.
Essas alusões ao passado não são exclusividade de Pecola, há capítulos para explicar como o pai e a mãe, por exemplo, moldaram suas personalidades.

Capa do livro O Sol é para Todos, de Harper Lee.
O Olho Mais Azul se passa em 1941 e é narrado por Claudia, que também tem 11 anos. Retratar o assunto pesado pela ótica de uma criança suaviza a história, que talvez fosse muito dolorosa para atingir a tantos leitores. Outra obra excepcional, também tensa e triste, cuja narradora é uma criança, é O Sol é para Todos, de Harper Lee. Lá, um caso de estupro, em que um homem preto é réu, e a vítima, apesar de miserável e considerada sub-gente, é branca, é narrado por Scout, uma menina de 6 anos, filha do advogado de defesa. Tudo acontece à medida que Scout cresce inicia aos seis anos e termina quando ela tem nove. Esse livro merece um texto próprio e é certo que vai retornar a figurar por aqui.
Vamos supor que Pecola viaje no tempo, viva sua adolescência em 1987 e mude seu nome para Preciosa. Proponho esse exercício de imaginação porque no filme Preciosa – uma história de esperança, de 2009, dirigido por Lee Daniels e com Oprah Winfrey entre os produtores, a vida da protagonista de 16 anos poderia ser a continuação da existência de Pecola.
O filme Preciosa – Uma história de esperança foi baseado no livro Preciosa (Push, na edição original), da escritora Sapphire. Teve em seu elenco as atrizes como: Mo’nique, Gabourey Sidibie e Mariah Carey. Ganhou dois Oscars (Melhor atriz coadjuvante e Melhor roteiro adaptado) e mais 27 honrarias em outras premiações como Globo de Ouro e Bafta. Dois desses 29 prêmios foram para Gabourey Sidibie, como atriz principal e 12 para Mo’nique como atriz coadjuvante.

Cartazes do filme Preciosa, de Lee Daniels.
Claireece Precious Jones (Preciosa) é analfabeta, apesar de frequentar a escola. Ela é preta e gorda, mora com a mãe no Harlem em Nova York, tem uma filha e está grávida de outro filho, ambos descendentes diretos de seu pai. A mãe, Mary Jones, assim como a Sra. Breedlove, a acusa de ter seduzido seu marido e por isso a maltrata.
A adolescente tem fantasias como ser modelo famosa e ter admiradores. A cada paulada da vida ela foge para um recanto imaginário onde tem a vida de seus sonhos. O quarto de Preciosa é repleto de fotos de mulheres loiras e magras, que são o ideal de beleza para ela.
Mary Jones vive do auxílio social, pago pelo governo, por supostamente cuidar da neta de 4 anos que tem necessidades especiais. Entretanto, essa criança, que recebeu da avó o apelido pejorativo de Mongo, é criada por sua bisavó, que traz a menina para a casa de Mary quando a assistência social marca visitas. O pai saiu de casa, quando a filha engravidou pela segunda vez.

Cartaz do filme Preciosa em inglês.
A protagonista é subserviente com a mãe. Sofre cotidianamente humilhações no ambiente familiar, na rua e na escola. A mãe reage com extrema violência a qualquer deslize da filha, inventando os deslizes vez ou outra para externar sua frustração e raiva.
Fora de casa, Preciosa é muito calada e reage com explosões de agressividade em muitas situações.
Quando Preciosa é expulsa da escola, a diretora consegue para ela uma vaga na escola alternativa. Nessa nova classe, a história de vida dela comove todas as colegas de sala e a professora, que terão papel fundamental no destino da personagem.
O desfecho de O olho mais azul é surpreendente, nunca li nada parecido. É uma conclusão muito diferente do final de Preciosa. Os dois são excelentes e merecem leitura e audiência. Praticamente todos os personagens dessas histórias são amargurados e arrasadores. Cabem na letra da música de Nina Simone chamada Ain’t got no – I got life, especialmente na parte em que ela diz o que lhe falta. Também de Nina Simone, a canção Four Women lembrou a sensação cortante que tive tanto na leitura de O Olho mais azul, quanto ao assistir ao filme Preciosa ou ao ler sobre o caso defendido pelo Dr. Atticus Finch em O Sol é para Todos. Músicas maravilhosas, Nina Simone maravilhosa.
O Olho mais azul foi o livro de estreia de Toni Morrison e foi publicado em 1970. Morrison, entre outros prêmios, ganhou o Pulitzer em 1988, pela obra Amada e, em 1993, foi a primeira mulher negra a vencer o prêmio Nobel de Literatura.
MORRISON, Toni. O Olho Mais Azul. Tradução: FERREIRA, Manoel Paulo. 2a edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
DANIELS, Lee. Preciosa – Uma História de esperança. EUA: Lionsgate, 2009.
LEE, Harper. O Sol é para Todos. Tradução: HORTA, Beatriz. 49a edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 2020.
Vídeo visualizado em 27/02/2021
03/05/2021 at 18:15
Vi a indicação de O olho mais azul e fui procurar para ler. Levei muito mais tempo do que geralmente levo para vencê-lo. A leitura é bem desafiadora para pessoas choronas como eu. Tem muita coisa que mexeu comigo, reflexões que ainda preciso amadurecer. Gratidão por ter me apresentado esse livro.
bjs e sucesso.
07/05/2021 at 21:27
Eu também fiquei engasgada com esse livro uns dias. É fortíssimo. A gente sente lá no fundo o sofrimento da Pecola. Esse livro muda perspectivas sobre racismo e abuso.
Fico feliz que tenha gostado! =)
beijos!