
O Curioso Caso de Benjamin Button
“– Qual é a idade do seu filho, senhor?
– Mais ou menos seis horas – respondeu, sem a devida consideração, o sr. Button.
– A seção de artigos para bebês fica nos fundos.
– Ora, eu não creio… não estou certo de que isso seja o que eu quero. É que… ele é uma criança de tamanho extraordinariamente grande. Excepcionalmente… hã… grande. (…) A seção para meninos fica onde? – indagou o sr. Button, trocando de premissa, desesperado; sentiu que o balconista decerto farejava o vergonhoso segredo.
– Aqui mesmo.
A ideia de vestir o filho com roupas de homem lhe provocava repulsa. Se, digamos, conseguisse ao menos encontrar um traje de menino bem grande, poderia cortar aquela barba comprida e horrorosa, tingir o cabelo branco de castanho e, assim, dar um jeito de ocultar o pior, conservando em parte a autoestima – sem falar em sua posição na sociedade de Baltimore.
Mas uma inspeção frenética na seção para meninos não revelou nenhum traje que servisse ao recém-nascido Button. Ele culpou a loja, é claro – em tais casos, a coisa certa é culpar a loja.
– Qual idade o senhor disse que o seu filho tinha? – quis saber, com curiosidade, o balconista.
– Ele tem… dezesseis.
– Ah, me desculpe. Pensei que o senhor tivesse dito seis horas. O senhor poderá encontrar a seção para rapazes no corredor seguinte.
O sr. Button afastou-se com profunda infelicidade. Então parou, animado, e apontou o dedo na direção de um manequim vestido na vitrine.
– Ali! – exclamou. – Vou levar aquele traje, aquele ali no manequim.
O balconista arregalou os olhos.
– Ora – ele protestou –, aquilo não é traje de criança. Pode ser que seja, mas só se a criança quiser se fantasiar. O senhor mesmo poderia usá-lo!
– Embrulhe o traje – insistiu o cliente, com nervosismo. – É esse que eu quero.
O atônito balconista obedeceu.
De volta ao hospital, o sr. Button entrou no berçário e praticamente atirou o embrulho em cima de seu filho.
– Aqui estão as suas roupas – vociferou.
O velho desatou o embrulho e examinou o conteúdo com um olhar zombeteiro.
– Elas me parecem um pouco esquisitas – ele reclamou. – Não quero ser feito de palhaço…
– Você foi quem me fez de palhaço! – retorquiu, feroz, o sr. Button. – Não dê importância se você parecer esquisito. Coloque as roupas… ou eu… ou eu lhe darei uma surra.
Ele engoliu com desconforto essa última palavra, sentindo, mesmo assim, que havia dito a coisa mais adequada.”
FITZGERALD, Scott. O Curioso Caso de Benjamin Button. p.6.
Francis Scott Fitzgerald, escreveu esse conto que tem informações e densidade de um pequeno romance e a inventividade de uma obra sensacional. O Curioso Caso de Benjamin Button, se ambienta na cidade de Baltimore, nos Estados Unidos e inicia em 1860, dia do nascimento do filho primogênito do Sr. e da Sra. Button.
Esse recém nascido tinha a aparência de setenta anos de idade, ralos cabelos grisalhos e barba longa. Esse “bebê” falava. Já nas primeiras horas de vida perguntou em bom som ao Sr. Roger Button: “Você é meu pai?” e essa fala se seguiu a uma conversa bem articulada digna do adulto que aparentemente ele era.
Benjamin também demonstrou um bom conhecimento em relação a aleatoriedades mundanas, como por exemplo quando questionou a opção feita pelo pai ao comprar para ele a primeira roupa, com a qual sairia do hospital, e que era ridícula.
É um velho (recém nascido) que “descresce”. Ele rejuvenesce com o passar dos anos, vive uma vida ao contrário dos humanos ordinários.
O conto registra os acontecimentos da vida de Benjamin e eles são muito parecidos com os de uma vida normal. Por exemplo, ele se casa, tem problemas conjugais, vai para a faculdade, cuida dos negócios da família, tem filhos, enfim tudo o que se espera de uma vida corriqueira para uma pessoa daquela posição social. O conto também discute as hipocrisias sociais, o modo como o dinheiro pode desfazer rejeições anteriores e preconceitos. A repulsa inicial ao Sr. Benjamin Button é desfeita assim: primeiro ele fica mais rico que seu pai jamais fora e passa a ser celebrado nas altas rodas da sociedade, depois o tempo que vai passando e as pessoas que se lembram das condições bizarras de seu nascimento vão morrendo e as novas gerações simplesmente não estavam inteiradas daquele caso fantástico.
É lindo, é engraçado, é triste, vale muito a leitura. Até porque, se não lhe agradar, pelo menos é curta (duvido que alguém não goste).
Essa história, o jeito como ela começa e como ela acaba fez pensar no ciclo da vida e em como somos vulneráveis tanto quando idosos quanto quando bebês. Nas duas ocasiões vamos depender de ajuda de tratamento direcionado. Sendo que deve ser bastante difícil para o velho ser infantilizado, tolhido de suas vontades por filhos ou cuidadores bem intencionados, mas condescendentes. A pessoa já viveu uma pá de anos, passou por poucas e boas, cuidou dos filhos bebês e tentou lhe mostrar o mundo e quando envelhece passa a ouvir coisas do tipo: “cuidado para não cair…”, “senta aí que eu faço para você”. Tudo justificado porque vamos perdendo tenacidade muscular, rapidez de reflexos, os ossos enfraquecerão entre outras fragilidades. No caso a condescendência é motivada por amor, por não querer ver a pessoa se machucar, posto que sua recuperação será mais complicada.
Ainda há, e não são raros, os casos em que as pessoas idosas são tratadas com desdém, tendo suas opiniões arrogantemente descartadas, por adultos mais jovens, como quem diz: fica na sua que o mundo mudou e você não sabe de nada.
PS: Os adolescentes têm desconto nesse quesito. No caso deles não é desdém é quase uma etapa obrigatória da autoafirmação. É chato, mas vai passar com a idade.
Benjamin Button tendo nascido velho, foi tratado como bebê pelos pais que, mais por choque do que por qualquer outro motivo, o tratavam como um incapaz. Depois quando se aproximava dos setenta anos cronológicos e da forma e mentalidade de bebê recebeu o tratamento de abandono e caiu no esquecimento, como, infelizmente, são tratados muitos idosos. Resumindo: o início e o fim da vida te proporcionaram experiências parecidas de vulnerabilidade e descrédito.

Madrágora (Harry Potter e a Câmara Secreta)
Apesar de Benjamin Button ter nascido um velho de um metro e setenta e três centímetros e setenta anos, enquanto lia a história ficava pensando na cara daquele bizarro recém nascido e no que o pai dele viu ao olhá-lo pelo vidro do berçário do hospital. E aí lembrei de uma boneca, caríssima e medonha chamada Bebê Reborn. Tem gente que acha bonito, realista e tals. Eu acho medonho.
Há uma tendência de adultos cuidarem desses bonecos e bonecas como se humanos eles fossem. Enfim… sejam felizes! “Consideramos justa TODA forma de amor”.
Detalhe: você não compra bebês reborn, você adota. “Adota” pela bagatela de 300 a 8.000 reais. Essas lojas oferecem um serviço semelhante ao de uma maternidade. Vai fazer certidão, medir, pesar, ouvir o coração, verificar se os ouvidos estão ok… (aff que nervoso).
Para mim o Benjamin Button no momento em que saiu do útero da mãe tinha cara de bebê reborn. O bebê Benjamin do filme O Curioso Caso de Benjamin Button é um mix dos Bebês reborn com a mandrágora do filme Harry Potter e a Câmara Secreta.
Sobre o filme: é um filme excelente. Comparando o livro e o filme, são duas peças de ficção quase completamente distintas. Vale muito a pena desfrutar dos dois.
Em comum eles tem o nome, o personagem que rejuvenesce – que é a premissa principal dos dois – e acabou. Mais nada.
No filme, Benjamin é abandonado pelo pai e sua mãe falece no parto. Embora os dois tenham vivido muitas aventuras elas não se parecem, nem mesmo a participação deles em batalhas. O filme começa no dia em que acaba a Primeira Guerra Mundial e se passa completamente no século XX, o livro começa em 1860, ou seja, quando estourou a primeira guerra, Benjamin era uma pessoa de 54 anos, com aspecto e mentalidade de 16 anos.
Enquanto um nasce com mentalidade e corpo de velho, o outro nasce com cara de velho e mentalidade de bebê. Os corpos rejuvenescem, mas os processos de amadurecimento mental cognitivo não seguem a mesma sequência.

O Curioso Caso de Benjamin Button
O roteiro do filme, assinado por Eric Roth é sensacional. É outra história. Não devemos desperdiçar boas histórias. É uma linda história de formação de de um homem de de amor entre ele e uma mulher absolutamente normal que envelhece como todos nós. Lindo! A direção é de David Fincher, que sempre entrega ótimos filmes.
O Curioso Caso de Benjamin Button recebeu treze indicações ao Oscar, vencendo três: efeitos visuais, maquiagem, design de produção. Venceu também três Baftas nas mesmas categorias do Oscar.
Um outro personagem peculiar, que já foi comentado aqui, também teve essa trajetória de ser vulnerável e precisar da ajuda de outros para sobreviver, passar por uma experiência que lhe deu amadurecimento e mentalidade condizente com sua idade cronológica, transformando-o em pouco tempo em um gênio. Essa ascensão foi tão vertiginosa quanto a queda, pois os efeitos da tal experiência eram passageiros e mais rápido que a glória, veio a queda, transformando-o em um homem ainda mais vulnerável do que era antes. Esse processo durou cerca de um ano e assim como o conto O Curioso Caso de Benjamin Button, provoca reflexões sobre humanos em fases vulneráveis e cuidadores. Ambas as obras refletem sobre as similitudes entre o início e o fim da vida em casos ficcionais que diferem da ordem natural das coisas.
Esse outro personagem é Charlie, de Flores para Algernon, de Daniel Keys. Outra obra fantástica mais para ficção científica. Mas com temas comparáveis aos do conto de Scott Fitzgerald.
Esse é a segunda obra de Scott Fitzgerald comentada aqui, o primeiro foi o clássico O Grande Gatsby.
FITZGERALD, Scott. O Curioso Caso de Benjamin Button. Tradução: ZANON, Cássia & BREUNIG, Rodrigo. Porto Alegre: L&PM, 2016.
FINCHER, David. O Curioso Caso de Benjamin Button. EUA: Warner Bros., 2008.
KEYES, Daniel. Flores para Algernon. Tradução: GEISLER, Luisa. São Paulo: Aleph, 2018.
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