Capa do livro O Clube da Luta de Chuck Palahniuk.

“Esse ‘faça você mesmo’ não está em nenhum livro de história.

Existem três maneiras de fazer Napalm: a primeira é misturar partes iguais de gasolina e suco de laranja congelado e concentrado. A segunda é misturar partes iguais de gasolina e coca diet. A terceira é dissolver areia granulada para gatos em gasolina até que a mistura fique grossa.”

 PALAHNIUK, Chuck. O Clube da Luta.

 

As fontes de renda do clube da luta eram baseadas em chantagem e na venda de sabonetes de luxo. As chantagens eram com os ex-patrões de Tyler, que o pagavam para não divulgar que o buffet do hotel em que ele era garçom servia comida com excrementos ou para não contar à imprensa que ele inseria pornografia em flashes nos filmes que exibia como projecionista. O patrão do narrador, também foi chantageado, no livro ele não deixa o emprego como no filme. Continua batendo ponto, mas sem fazer nada e o patrão lhe paga porque está aterrorizado com a perspectiva de retaliação pelos membros do clube da luta.

O filme “O Clube da Luta”(1999), de David Fincher, tem algumas adaptações, afinal é impossível fazer 300 páginas de uma obra caberem em duas horas. As adaptações não diminuem o valor do filme, que é muito bem feito. Inclusive o final é muito diferente e é difícil decidir qual o melhor. É importante ler o livro para ter a fonte original e as diferenças dão detalhes e nuances que o filme não transmite.

Foi uma dessas alterações que despertou para uma comparação, que leva em consideração a habilidade de manipular substâncias para destruição.

Cartaz do filme Clube da Luta, de David Fincher

A mais importante fonte de renda do clube da luta era a venda de sabonetes, feitos com gordura humana, vendidos a lojas de luxo. No filme, a matéria prima foi sempre conseguida no lixo hospitalar de clínicas de cirurgia plástica. No livro, as primeiras barras, foram feitas com a gordura lipoaspirada da mãe de Marla Singer. Marla estocava esse material, que é chamado no livro de banco de colágeno, na geladeira da casa de Tyler. O objetivo dela era ter sempre à mão o colágeno necessário para fazer preenchimento facial e não ter rugas, a gordura sendo da mãe fazia com que não houvesse rejeição do organismo e o tal preenchimento durasse mais. Em um segundo momento, quando o sabonete passa a ser produzido em larga escala, a fonte passa a ser a mesma do filme.

Hoje há sabonetes em fabricação resgatando o modo artesanal de produção, que usam matérias primas vegetais, produzindo barras que certamente não teriam a mesma origem dos sabonetes da Paper Street.

Sabonete artesanal vegetal feito de óleo de tucumã, argila branca, cacau e óleo essencial de laranja doce. Biodegradável, livre de ftalatos, petrolatos e essências sintéticas. Não utiliza embalagens plásticas. Saboaria Giralua, @marcela.ottomar

Além de saber fazer sabonete, Tyler Durden tinha outros conhecimentos como: fabricação de explosivos, fabricação de napalm, explosões e estratégias de destruição de prédios e monumentos. Sabia produzir bombas caseiras a partir da glicerina oriunda da gordura que também era matéria prima para o sabão da Companhia de Sabão da Paper Street.

Na epígrafe deste texto, está um trecho onde o narrador fala das receitas de napalm caseiro. Ele, muitas vezes ao longo do livro, diz que sabe dessas coisas porque Tyler sabe dessas coisas.

Outro personagem muito famoso e com conhecimentos parecidos com os de Tyler Durden, que fez parte da vida de quem assistia TV na década de 1980, é o agente secreto Angus MacGyver, da série americana Profissão Perigo (título original: MacGyver). Foram 7 temporadas produzidas no período de 1985 a 1992.

O agente em questão sabia sair das maiores enrascadas fabricando armas, bombas e outros artefatos com objetos ou substâncias que tinha à mão (goma de mascar, cabides, canos de descarga de carros e tantos outros). Além das gambiarras, ele também era conhecido pelo seu inseparável canivete suíço vermelho e por seu corte de cabelo de gosto questionável, que na época era tendência. O agente tinha como objetivo salvar pessoas e combater o mal.

Voltemos a um ponto do livro, que foi mencionado no artigo  Clube da Luta (parte 1), e é o motivo que levou o narrador a perder o sono: a falta de propósito na vida. Diferente de McGyver que tinha uma finalidade para a própria existência. O narrador do livro de Palahniuk é uma pessoa que tem um emprego que lhe garante boa condição financeira e ele gasta esse dinheiro em coisas que ele não precisa, principalmente móveis e outros itens para casa. Compra para preencher o vazio que sente, como se aquelas coisas o definissem.

Em uma das visitas a grupos de apoio ele chega à conclusão de que “chorar é o que sobra na escuridão asfixiante dentro de outra pessoa, quando você vê que tudo o que já conseguiu na vida terminará no lixo” (Palahniuk).

O filme mostra, de forma primorosa, esse vício em compras como tentativa de fazer com que a pessoa sinta que tem valor próprio. Põe em imagens o que o narrador enxerga nos catálogos da Ikea. A cena dele andando pelo apartamento e aparecendo textos de descrição dos móveis e objetos, foi executada com precisão estética e demonstração da linha de pensamento do personagem.

O sentimento que essa cena suscita está também expresso nas letras de Imitation of life, do REM, e Fake Plastic Trees, do Radiohead. As duas são sobre como lançamos mão de bem-estar real em nome de cumprir o check list de sucesso na vida e como isso consome nossa sanidade e nos angustia.

Antes de considerar entrar para uma organização ultracontroladora de propósitos nefastos para frear impulsos consumistas, seria saudável se informar sobre o minimalismo. Essa é uma filosofia de vida que prega não ter mais bens materiais do que precisa e que não é saudável se matar de trabalhar para acumular coisas vazias de utilidade e significado. A Netflix tem um documentário  chamado Minimalismo: um documentário sobre as coisas importantes. Nesse filme, dois rapazes que adotaram o modo de vida de viver com menos, relatam suas experiências. Outras pessoas também dão suas opiniões e depoimentos. Viver com menos não significa não consumir, viver mal ou adquirir apenas coisas baratas. Significa viver com o que precisa, como o que realmente vai usar e que seja confortável. O minimalista compraria um bom colchão, mas não teria trinta lençóis no armário, enquanto só precisa ter dois ou três.

Clube da luta me remeteu a uma enxurrada de conexões, por isso foi impossível fazer apenas um texto. Não irei esgotar os aspectos notáveis dessa obra, nem é esse o objetivo deste site. Provavelmente, O Clube da Luta reaparecerá em próximas postagens.

Para terminar, ponho na cabeça do leitor Where is my Mind?, do Pixies, que encerra o filme Clube da Luta e está na minha cabeça desde que o filme foi revisto para subsidiar esse texto.

PALAHNIUK, Chuck. O Clube da Luta. Tradução: Cassius Medauar. São Paulo: Leya, 2012.
FINCHER, David. Clube da Luta. Alemanha e EUA: 20th Century Fox, 1999.
D`AVELLA, Matt. Minimalismo: um documentário sobre as coisas que importam. EUA: Catalyst films, 2015.

 

Os vídeos foram visualizados em 10/02/2021

 

https://www.youtube.com/watch?v=0Co1Iptd4p4