Capa do Livro O Clube da Luta de Chuck Palahniuk.
“A primeira regra do Clube da Luta é: você não fala sobre o Clube da Luta. A segunda regra do Clube da Luta é: você não fala sobre o Clube da Luta. Terceira regra do Clube da Luta: se alguém gritar ‘Para!’, fraquejar, sinalizar, a luta está terminada. Quarta regra: apenas dois caras numa luta. Quinta regra: uma luta de cada vez, pessoal. Sexta regra: sem camisas, sem sapatos. Sétima regra: as lutas duram o tempo que for necessário. E a oitava e última regra: se esta for a sua primeira noite no Clube da Luta, você tem de lutar.”
PALAHNIUK, Chuck. Clube da Luta.
Um homem tem um bom emprego em uma empresa que organiza recalls para a indústria automobilística, tem apartamento mobiliado com gosto moderno, um carro caro, viaja constantemente a trabalho e mora sozinho. Ele tem dificuldades para dormir. Uma vez, vai ao psiquiatra em busca de remédios e não não obtém o que procurava. No fim da consulta, o médico recomenda que ele vá a grupos de apoio para ver o que são problemas de verdade. Então o narrador/protagonista começa a frequentar vários grupos de apoio. Seu preferido é o de câncer de testículos, onde ele conhece Big Bob, um ex-halterofilista que contraiu câncer por abusar de anabolizantes e desenvolveu mamas bastante avantajadas. Junto com as pessoas que buscam conforto umas nas outras, o narrador se emociona e chora copiosamente. A cada noite de choro se segue uma noite de sono.
Cena do filme O Clube da Luta
Até que aparece Marla Singer, uma mulher misteriosa que começa a frequentar todos os grupos de apoio que nosso anti-herói frequenta. Sob os olhares e a fumaça do cigarro de Marla, ele não consegue chorar, logo não consegue mais dormir.
Nesse ponto da história, o narrador conhece Tyler Durden, um homem enigmático e carismático de quem ele admira a liberdade, autenticidade e imprevisibilidade. Tyler trabalhava como garçom em festas para pessoas ricas e misturava seus excrementos à comida que servia. Trabalhava também como projecionista e inseria imagens obscenas em flashes pelos filmes que exibia. Morava em uma casa alugada, em muito mal estado, numa rua isolada e tinha conhecimentos sobre química.
Na noite em que se conheceram, Tyler pediu ao narrador que o desse um murro. Seu pedido foi atendido e “os dois” lutaram até se machucarem muito. Naquela noite, o protagonista dormiu bem de novo.
O prazer que sentiu naquela luta, fez com que Tyler criasse o clube da luta. Com as regras citadas no início desse texto. Homens lutavam nos estacionamentos e porões de bares e outros estabelecimentos.
Embora duas das regras fossem não falar sobre o clube da luta, o grupo não parava de crescer e formava novos núcleos, em diferentes cidades, cada um com seu líder local e todos endeusando Tyler Durden.
Põe-se em marcha o projeto desordem e destruição e o clube da luta vira um exército irrefreável. Nem mesmo Tyler Durden podia pará-lo.
O modo como o clube da luta cresceu se parece com método de recrutamento dos chamados esquemas de pirâmide ou empresas de marketing multinível. Muitas pessoas perdem muito dinheiro ao acreditar em um sucesso financeiro que só depende de sua capacidade de vender produtos e recrutar outras pessoas. Teoricamente, quanto mais pessoas recrutadas, mais dinheiro. Os novatos pagam parte de seus lucros ao recrutador. Quem está no topo da pirâmide enriquece com cada vez menos esforço, enquanto a base faz o serviço na esperança de subir de posição. Esse tipo de recrutamento é proibido em algumas partes do mundo e condenável em tantas outras.
Keith Raniere e Allison Mack.
Em 2017, o mundo ficou estarrecido com a descoberta dos bastidores da empresa NXIVM, que por ser realidade, é mais chocante que a ficção.
Um homem chamado Keith Raniere fundou uma “empresa de Marketing multinível”, que oferecia cursos e atividades de autodesenvolvimento. Ele era considerado pelos contratantes dos serviços da NXIVM um ser de inteligência inigualável, um visionário, tanto que ele próprio adotou o codinome de Vanguard. Os membros eram convidados por pessoas de sua confiança a conhecer a empresa, começavam pagando por cursos básicos, que eram caríssimos, iam fazendo novos cursos. À medida que recrutavam novas pessoas ou passavam pelo crivo de Raniere, os aprendizes assumiam funções mais importantes na organização. A NXIVM executou suas atividades de 1994 a 2017, quando foi delatada por uma das seguidoras ao New York Times, como sendo uma seita que envolvia abuso sexual, tráfico de mulheres, maus tratos, regras rígidas e a impossibilidade de desvinculação. A repercussão gigantesca se deveu tanto aos absurdos relatados, quanto à identidade de uma das principais recrutadoras: a atriz Allisson Mack, que interpretou Chloe Sullivan, na série SmalVille.
Cartaz da série The Vow da HBO. Mostra detalhadamente como alguns dos membros mais importantes da NXIVM se uniram para revelar as intenções da empresa.
Duas séries documentais sobre o escândalo da NXIVM estão disponíveis: The Vow (HBO) e Seduced (Starzplay). Ambas são excelentes e relatam com profusão de testemunhas e provas, que paralelo às atividades da NXIVM foi criada uma sociedade secreta só para mulheres chamada DOS (Dominus Obsequious Sororium ou algo como Irmandade de dominação e Submissão). E a primeira regra do DOS é que você não fala sobre o DOS, a menos que seja para recrutar suas próprias escravas. Sim, escravas! Cada recrutadora teria que ter seis escravas para se tornar uma mestre. A escrava teria uma mestre e a mestre da mestre seria para ela a grã-mestre.
Essas mulheres eram marcadas, com uma símbolo que visto na horizontal eram as iniciais de Allison Mack e na vertical era um KR de Keith Raniere. Descobriu-se depois que Allison Mack era escrava de Keith, embora as mulheres do DOS acreditassem que ele nem sabia da tal irmandade. Essa irmandade era mantida em funcionamento, apesar dos abusos e humilhações, pelos chamados “colaterais”, que eram material para chantagem, fornecido por elas próprias, como garantia de que não abandonariam o DOS, tais como: fotos nuas, depoimentos confessando algo terrível ou delatando alguém e até escrituras de propriedades.
Cartaz da série Seduced da Starzplay. Essa série é mais objetiva e conta a história da NXIVUM, tendo como fio condutor a experiencia de India Oxemberg. Se for assistir apenas uma, recomendo essa.
Há alguns elementos parecidos entre O Clube da Luta e o DOS, além do modo de recrutar seguidores. Durden marcava seus macacos espaciais com um beijo feito com soda cáustica no dorso da mão, ao passo que Keith e Allison marcavam suas escravas com uma queimadura feita por caneta cauterizadora perto das partes intimas. Haviam células em muitos níveis tanto na NXIVM, quando no DOS, assim como novos clubes da luta tinham novos mestres, mas todos dedicados ao inquestionável líder Tyler Durden. A NXIVM tinha vários centros pelo mundo e mais três irmandades, incluindo o DOS, com vários subgrupos em cada, e todas essa pessoas obedeciam a Keith Raniere.
O que muitas pessoas relataram sobre a NXIVM e também fica patente no perfil dos seguidores de Durden é que, apesar de sua inteligência e conhecimento prévios, estavam em um momento de fragilidade pessoal ou frustração com a carreira, que turvava o discernimento. Condição necessária para se engajar em algum movimento do qual se espera receber de um guru o que precisavam para ter uma nova perspectiva.
Uma diferença entre o clube ficcional e a história real é a motivação. Os macacos espaciais do clube da luta se organizam para destruir o sistema, buscando romper os preceitos sociais vigentes. Já a empresa de Keith Raniere, atraía pessoas que de alguma forma procuravam ser aceitos pelo sistema e não modificá-lo ou romper as regras.
Para acompanhar esse tema me ocorreu a música é Crush#1, da banda Garbage, cuja letra trata de um relacionamento a dois, mas pode ser extrapolada para casos de submissão como da obra de Chuck Palahniuk.
Sobre o filme O clube da luta… fica para a parte 2.
PALAHNIUK, Chuck. O Clube da Luta. Tradução: Cassius Medauar. São Paulo: Leya, 2012.
BUHLER, Victor. The Vow. EUA: HBO, 2020.
PECK, Cecília; LESSNER, Inbal B.; OXEMBERG, India; VOLL, Daniel & MILCHAN, Alexandra. Seduced. EUA: Starzplay, 2020.
Os Vídeos foram visualizados em 07/01/2021.
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