
Capa do livro Laranja Mecânica.
“O que aconteceu foi que um vek de jaleco branco prendeu minha cabeça numa espécie de descanso de cabeça, cantando para si mesmo o tempo todo uma cançãozinha pop voni de kal. – Para que serve isso? – perguntei. E o vek respondeu, interrompendo a canção por um instante, que era para manter a minha gúliver parada e me fazer olhar para a tela.”
BURGESS, Anthony. Laranja Mecânica. Pg 162.
Laranja Mecânica, livro de Anthony Burgess, retrata a vida de um jovem delinquente, em uma metrópole distópica. O nome do personagem principal é Alex, líder do que pode ser considerado uma gangue, cujos integrantes ele chama de druguis. Os druguis do Alex se chamam Pete, Georgie e Tosko. Juntos cometem os crimes mais atrozes por diversão (estupro, espancamento, invasão de propriedades). Na cidade, existem outras gangues de druguis e elas são rivais, realizam atos de violência entre os bandos, competindo para se firmar como o mais violento.
Alex e seus druguis, se comunicam na língua inventada por Brugess chamada Nadsat. Nesse vocabulário, por exemplo, quando uma coisa lhes agrada muito o termo para designar a impressão causada é horrorshow; mulheres são pitisas; vek é sujeito; voni é fedido; kal é merda e gúliver é cabeça. O vocabulário pode causar estranheza nas primeiras páginas, porém não prejudica a leitura, ao contrário, torna o livro sensacional.

Cartaz do Filme Laranja Mecânica de Stanley Kubrick
O ápice da obra é quando Alex é submetido a um tratamento inovador para deixar de lado a ultraviolência. O Método Ludovico consiste na exibição de filmes com cenas de brutalidade, sem que o transgressor possa fechar os olhos ou olhar para outro lado, tudo isso acompanhado pela música de Beethoven ao fundo. Depois do procedimento o antes infrator, passa a sentir sintomas inclusive de mal estar físico mesmo ao apenas pensar em cometer atos de crueldade ou quando ouve as músicas que ouviu durante a aplicação do método. Essas sessões de tortura, fizeram com que Alex saísse da cadeia após 15 dias de tratamento e não nos 20 anos a que fora condenado.

Cena do filme Laranja Mecânica. Alex e dois de seus druguis no Korova Lactobar.
Antes da prisão, esse líder de druguis, tinha gosto por arte erudita. Seu compositor favorito era Beethoven. Há uma passagem em que ele se emociona ao ouvir uma mulher cantando ópera no Korova Lactobar. A ópera em questão não existe, foi inventada por Burgess, se chama Des Bettzeug e seria do compositor também imaginário Frederich Gitterfenster. No filme de Stanley Kubrick, que também se chama Laranja Mecânica, foi escolhida para esta cena um trecho da 9ª Sinfonia de Beethoven.
Voltando ao vocabulário e à erudição, o uso do nadsat lembra a linguagem da periferia paulistana usada pelo youtuber Audino Vilão. Audino Vilão é o pseudônimo de Marcelo Marques, estudante de História que produz conteúdo na internet sobre filosofia. Ele usa a linguagem da periferia para transmitir conceitos filosóficos. Esclareço que nada tem a ver com ultraviolência, é um canal sobre filosofia.
Em um de seus vídeos, que teve mais de 370 mil visualizações, Audino classifica Nietzche como “o famoso roba brisa”. É imperdível.
Ele também usa a animes para exemplificar suas ideias. Inclusive o pseudônimo Audino Vilão é derivado de Audino, que é um pokemon fofinho, e vilão, que significa nas palavras do criador do canal:
“Nós é a tropa dos vilão que sequestra o conhecimento. O conhecimento elitista que fica só no campo da elite acadêmica. Nós dá uma de Robin Hood, sequestra o bagulho e distribui pra todo mundo, igualmente, da melhor forma possível. Os cara enxerga nós de vilão. A sátira é os cara, os playboy, enxerga a favela como os vilões. Então, nós é o vilão do conhecimento. Nós sequestra o dos cara pra distribuir pra nós, tá ligado? Pra nós repartir entre nós.”

Cartaz de Assassinos por Natureza. Dirigido por Oliver Stone. Um dos roteiristas foi o então estreante Quentin Tarantino.
Fonte: hypeness
Ao ler o livro Laranja Mecânica instantaneamente me lembrei de duas músicas: Burn do Nine Inch Nails e The Fallen do Franz Ferdinand. Ambas tratam de violência. Burn é sobre sentimento de inadequação às regras sociais, que leva à revolta e pensamento destrutivo, mas foi sobretudo a melodia e a escolha dos instrumentos tocados com tom raivoso que remeteu ao comportamento de Alex. Essa música fez parte da trilha do filme Assassinos por Natureza, de Oliver Stone, e poderia ser a música do personagem, não fosse ele fã de de música clássica.
The Fallen é mais sobre a letra, que fala de trouble boys, destruição gratuita, por diversão, e que os “caídos”, em referência a Lúcifer o anjo caído, são bem vindos para andar junto com o grupo de que trata a música.
“You’ve already been already seen/ That the fallen are the virtuous among us/ Walk among us/ Never judge us/ to be blessed”.
Uma curiosidade sobre Laranja Mecânica, é que, na época de sua criação, Anthony Burgess, recebeu dignóstico de doença terminal e no afã de deixar algum dinheiro para sua família, escreveu essa obra prima em um mês. O diagnóstico? Estava errado. Burgess viveu mais quarenta anos.
BURGESS, Anthony. Laranja Mecânica. Edição especial de 50 anos. Tradução: Fábio Fernandes. São Paulo: Aleph, 2012.
KUBRICK, Stanley. Laranja Mecânica. EUA, Inglaterra e Irlanda do Norte: Warnner Bros, 1971.
STONE, Oliver. Assassinos por Natureza. EUA: Warnner Bros, 1994.
Vídeos e sites acessados em 23/01/2021
Audino Vilão: universitário traz conceitos filosóficos para linguagem da periferia
23/01/2021 at 15:38
Mandou muito bem! Papo reto, tá ligado! Esse site aqui não é piolho, não, que fica seguindo a cabeça dos outros! Valeu Aline, assisti a fala do Audino, ele sim, o verdadeiro roba brisa! A periferia agradece!
23/01/2021 at 19:22
É nóis na fita, mano! Vida longa a Audino Vilão!
Obrigada!
24/01/2021 at 22:04
Muito horrorshow!
25/01/2021 at 11:37
Tanto Burgess quanto Audino são chudesnis e têm muito a skazatar! =)