
Harry Potter e a Câmara Secreta
“- Que noite! – murmurou, tateando à procura do bule de chá enquanto todos se sentaram à sua volta. – Nove batidas. Nove! E o velho Mundungo Fletcher ainda tentou me lançar um feitiço quando eu estava de costas…
O Sr. Weasley tomou um longo gole de chá e suspirou.
– Encontrou alguma coisa, papai? – perguntou Fred ansioso.
– Só encontrei umas chaves para portas que encolhem e uma chaleira que morde – bocejou o Sr. Weasley. – Houve algumas ocorrências feias, mas não foram no meu departamento. Mortlake foi levado para interrogatório sobre umas doninhas muito esquisitas, mas isso foi com a Comissão de Feitiços Experimentais, graças a Deus…
– Mas por que alguém ia se dar ao trabalho de fazer chaves que encolhem? – Perguntou Jorge.
– Só para aborrecer os trouxas – suspirou o Sr. Weasley. – Vendem a eles uma chave que encolhe até desaparecer, de modo que nunca conseguem encontrá-la quando precisam… É claro que é muito difícil processar alguém porque nenhum trouxa vai admitir que a chave dele não para de encolher, insistem que vivem a perdê-las. Deus os abençoe, eles vão a extremos para não admitir que magia não existe, mesmo que esteja no nariz deles… mas as coisas que o nosso pessoal anda enfeitiçando, vocês não iriam acreditar…
– COMO CARROS, POR EXEMPLO?
A Sra. Weasley aparecera, empunhando um logo atiçador como uma espada. Os olhos do Sr. Weasley se arregalaram. Ele olhou com cara de culpa para a mulher.”
ROWLING, J. K. Harry Poter e a Câmara Secreta. p. 44.
Harry Potter! Sabemos que tem gente que não gosta e tem gente que não gosta sem nunca ter dado uma chance. E tudo bem. É impossível ler tudo o que há no mundo e às vezes as nossas antipatias gratuitas nos ajudam a fazer a seleção. E gosto é como nariz, cada um tem o seu!

Pop-up do carro enfeitiçado e o salgueiro lutador
Eu sou do time que gosta e nesse momento estou fazendo minha herdeira gostar também.
Vou ler um atrás do outro? Não. O plano é ir lendo à medida que saia em português o volume produzido pelo estúdio de design MinaLima. Por que especificamente esse dentre tantas opções de Harry Potters? Porque é lindo, perfeito. E também dá tempo da minha filha ir crescendo e ganhando maturidade para saber o que acontece com os personagens que crescem junto com a saga, pois, a cada volume, a autora J.K. Rowling aumenta a complexidade e as situações vão ficando mais juvenis que infantis.

A mandrágora – ilustração interativa da edição MinaLima
Para saber quem são os personagens principais, caso você estivesse fora do planeta Terra nos últimos vinte anos, recomendo a leitura do texto sobre o primeiro livro: Harry Potter e a Pedra Filosofal.
Outra característica interessante dos livros da saga Harry Potter é a inserção de novos personagens, com características bem marcantes e objetivos específicos. Em A Câmara Secreta esse papel ficou com o Professor de Defesa contra as Artes das Trevas recém contratado para lecionar na escola. O livro diz por alto que a escola tem dificuldades para encontrar docentes para aquela disciplina. Os chamados costumam não atrair candidatos. Nessa ocasião, o único candidato era o autor best seller do mundo bruxo: Gilderoy Lockhart. Esse cara tinha escrito praticamente toda a bibliografia usada pelos alunos do segundo ano de Hogwarts e não é só isso… ele também arranca suspiros do público feminino com seu figurino exótico/fashionista e seus dentes brancos, fazendo sucesso especialmente com as mães das alunas. Os livros dele são vendidos como autobiográficos e devem ensinar as defesas contra as artes das trevas a partir das aventuras e soluções narradas por Gilderoy, que parece ter passado por poucas e boas, aliás, muitas e boas, tendo sido extremamente bem sucedido ao vencer cada desafio.
Esse personagem é sensacional. Modéstia, definitivamente, não é o forte do rapaz, e há outros fracos em sua personalidade, mas não entraremos nesses detalhes.
Outro personagem que aparece na saga pela primeira vez é o bem intencionado, porém muito desastrado: Dobby o elfo doméstico. Ele é “escravo” na casa dos Malfoy e tentará “ajudar” Harry Potter a quem julga ter bom coração.
Nessa aventura, começam a aparecer vítimas petrificadas nos corredores e salas de Hogwarts. Primeiro é a gata do bedel, chamada Norrrra, e depois alunos. O que esses alunos tinham em comum é o fato de serem todos trouxas (nascidos de pais não bruxos).
Rapidamente espalham-se rumores de que uma Câmara Secreta, criada por um mago do mal chamado Salazar Slytherin, fundador da casa Sonserina, que era contra a presença de trouxas na escola, teria sido aberta depois de permanecer cinquenta anos fechada.
A tal da câmara só pode ser aberta por um descendente de Slytherin e era um dos bem guardados segredos de Hogwarts.
Harry, Hermione e Rony terão que descobrir onde é a câmara secreta, quem está petrificando as pessoas, como entrar na câmara e como derrotar os malfeitores (no caso: o petrificador e o fiote de Slytherin).
Se no primeiro livro a estrela foi a escola, seus muros, escadas, quadros, teto e tudo mais que envolvia aquele fantástico castelo, agora são objetos trouxas.
O que seriam objetos trouxas? Objetos fabricados e usados por humanos ordinários como nós. Humanos que tem que se virar para sobreviver sem magia.
Logo no início, quando Harry, mais uma vez, está comendo o pão que o diabo amaçou na casa dos tios Dursley, Rony Weasley e seus irmãos vão socorrê-lo com um carro voador. Todos sabem que bruxos não precisam de carros, eles têm outros meios para se locomover. Também é de conhecimento geral que carros não voam e que alunos de Hogwarts não podem fazer magia no mundo dos trouxas, sob pena de advertência ou até expulsão.
Então temos muitos problemas aí. Problemas porcamente justificados pelos jovens Weasley como não sendo uma contravenção posto que quem enfeitiçou o carro foi o pai deles e não eles.
O pai de Rony que trabalha no Ministério da Magia justamente punindo bruxos que enfeitiçam objetos trouxas, tem esse carro voador com dispositivo de invisibilidade. Percebe a contradição?
Isso porque aqueles objetos inanimados e sem graça exercem um fascínio sobre aquele bruxo que é propenso a sabatinar qualquer pessoa que viva no mundo da magia tendo tido contato com os trouxas, como Harry e Hermione.
Aliás, Emma Watson, atriz que dá vida à personagem Hermione Granger, também interpretou a personagem Bela, na adaptação cinematográfica em live action de A Bela e a Fera, em 2017.
A história do conto de fadas A Bela e a Fera foi escrita em 1740 por Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve e reescrito em 1756 por Jeanne-Marie LePrince de Beaumont. A editora Zahar tem uma publicação em que atribui a autoria a essas duas mulheres. Ainda não li.
No filme, tanto o desenho animado de 1991 quanto o live action, Bela é uma moça que mora em uma vila francesa. Ela ama ler; é filha de um viúvo amoroso que precisa viajar a trabalho; tem um pretendente chamado Gaston, pelo qual ela não se interessa. Um dia o pai sai em viagem e ela pede que ele lhe traga uma rosa de presente. No retorno ele para em um jardim e colhe a rosa mais linda que já tinha visto, acontece que esse jardim era de um monstro: a Fera.

A Bela e a Fera
Aí, cara, a coisa desanda, porque a fera vai dar um jeito para que Bela vire sua prisioneira para pagar aquela mísera rosa que o pai pegou. Na verdade, verdadeira, ela vai gostar do rolê. Tem muitos livros, a casa é grande e o ponto em que queremos chegar é exatamente aqui, na criadagem do palácio da Fera: são todos objetos que supostamente deveriam ser inanimados. Estamos falando de xícara, bule, guarda-roupa, castiçal…
Um feitiço lançado sobre o dono da casa, lhe transformou em uma fera e esse mesmo feitiço transformou o staff em objetos animados. Existe um prazo para conseguir reverter a magia, se isso não acontecer os objetos passam a ser inanimados e a Fera fica para sempre naquela forma.
O filme é lindo visualmente, a música, o elenco é ótimo (Ewan McGregor, Emma Thompson, Kevin Kline…), gostei.
Outras histórias infantis também adaptadas pela Disney ou pelos estúdios Pixar, que fazem parte do grupo Disney, e que também usam objetos ordinários para compor o extraordinário são A Pequena Sereia e Luca.
Nesses casos, criaturas míticas marinhas estão intrigadas com a vida terrestre e os habitantes da terra firme. Os objetos inanimados permanecem assim e são colecionados pelos personagens aquáticos.
A Pequena Sereia é uma adaptação do conto de Hans Christian Andersen, de 1837. Como muitos contos de fadas dos mais famosos, sua versão original é bem menos ensolarada que a animação da Disney de 1989.
Apesar de muito interessante o conto original, vamos nos ater à animação, pois o que interessa aqui é o amor de Ariel pelos objetos humanos.
No desenho, Ariel é uma sereia, filha de Poseidon, que é fascinada pela superfície, pela vida terrestre. Em suas escapadelas ela junta e coleciona objetos perdidos em naufrágios e constrói uma espécie de museu em seu quarto. Uma das cenas mais icônicas do filme é a de Ariel penteando seus lindos cabelos ruivos com um garfo, pois que lhe fora dito pelo sabichão local que essa era a serventia daquele pequeno objeto forcado.
O deslumbre da sereiazinha pelo continente vai levá-la a observar um navio tripulado, assistir ao naufrágio daquela embarcação, salvar a vida de um príncipe e se apaixonar perdidamente por ele. Aí é que a coisa esquenta, porque ela vai pedir à bruxa do mar que a transforme em humana e em troca Ariel dá à bruxa sua maviosa voz.
A mesma fórmula de colecionar objetos humanos foi empregada em Luca, animação de 2021 da Pixar. Esse desenho é muito muito divertido e inteligente. Nele Luca é uma criatura marinha que vive com os seus e tem medo de ir à superfície. Até o dia que ele conhece um outro da mesma espécie e da sua idade que além de ir e vir da terra coleciona objetos humanos. Esse novo garoto vai persuadir Luca a ir com ele para a terra, mostrando-o que quando eles se secam as caudas viram pernas e eles podem transitar pela cidade tranquilamente, desde que não se molhem. Alberto, o menino que já frequentava regularmente a terra, tinha uma enorme coleção de objetos e inventava a utilidade para o que não sabia ao certo para que servia. Da mesma forma que Ariel fazia com sua coleção.
O amor pelos objetos de criaturas fascinantes tanto por parte de Alberto (amigo de Luca), Ariel ou o pai de Rony Weasley, é muito compreensível. Os museus mais instigantes do mundo estão repletos de objetos “coletados” em escavações arqueológicas. Tudo o que foi produzido por civilizações diferentes da nossa ou do nosso tempo gera curiosidade instantânea. Imaginem artefatos alienígenas? Certamente, seriam tratados com status de tesouro por quem os encontrasse. Foi isso que J.K. Rowling fez ao dar dimensão quase científica aos artefatos humanos manipulados pelo senhor Arthur Weasley.
ROWLING, J. K. Harry Poter e a Câmara Secreta. Tradução: WYLER, Lia. Rio de Janeiro: Rocco, 2021. (primeira edição 2001)
CONDON, Bill. A Bela e a Fera. EUA: Walt Disney Studios, 2017.
MUSKER, John & CLEMENTS, Ron. A Pequena Sereia. EUA: Walt Disney Studios, 1989.
CASAROSA, Enrico. Luca. EUA & Itália: Pixar Studios & Walt Disney Studios, 2021.
COLUMBUS, Chirs. Harry Poter e a Câmara Secreta. EUA & Reino Unido: Warner Bros. Pictures, 2002.
19/06/2022 at 16:00
Sou a Nicole Souza, gostei muito do seu artigo tem muito
conteúdo de valor, parabéns nota 10.
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