
I’m Glad My Mom Died
“Mom reminisces about cancer the way most people reminisce about vacations. She even goes so far as to MC a weekly rewatch of a home video she made shortly after learning of her diagnosis.
Every Sunday after church, she has one of the boys pop in the VHS tape since she doesn’t know how to work the VCR.
‘All right, everyone, shhhhh. Let’s be quiet. Let’s watch and be grateful for where Mommy is now,’ Mom says.
Even though Mom says we’re watching this video so we can be grateful that she’s okay now, there’s something about watching this video that just doesn’t sit right with me. I can tell how uncomfortable it makes the boys, and it definitely makes me uncomfortable too. I don’t think any of us wants to be revisiting memories of our bald, sad, then-dying mom, but none of us express this.
The video starts playing. Mom sings lullabies to all four of us kids while we sit around her on the couch. And much like the video remains the same every time it’s played, so too do Mom’s comments. Every single time we rewatch this video, Mom comments on how the heaviness was just ‘too much for Marcus to handle,’ so he had to keep going off into the hallway to collect himself and come back in again. She says this in a way that lets us know it’s the highest compliment. Marcus being distraught about Mom’s terminal illness is a testament to what an incredible person he is. Then she comments on what a ‘stinker’ I was, but she says the word ‘stinker’ with such a venomous bite that it might as well be a cuss word. She goes on to say how she can’t believe I wouldn’t stop singing ‘Jingle Bells’ at the top of my lungs when the mood was clearly so sad. She can’t believe how I didn’t get that. How could I possibly be so upbeat when my surroundings were so obviously heavy? I was two.”
Jannette McCurdy. I`m Glad My Mom Died.
Antes de tudo uma importante declaração: Jannette McCurdy é uma escritora muito talentosa. Esqueça a celebridade e leia como se fossem as memórias de alguém que nunca viu. É muito bem escrito.
Ela é muito mais que a personagem Sam de iCarly.
Sei que muitos de vocês podem nem saber o que diabos é iCarly, então explico. É uma série infanto-juvenil da Nickelodeon que fez muito sucesso entre 2007 e 2012.
Ah então você viu com sua filha? Não. Eu vi por que eu quis. Morria de rir todo episódio. E a minha filha ainda nem tinha nascido.
A série conta a história de três amigos que resolvem fazer um webshow com o nome de iCarly. O programa dentro da série era apresentado pelas duas meninas, Carly (Miranda Cosgrove) e Sam (Jannette McCurdy), e produzido e filmado por Freddie (Nathan Kress), outro pré-adolescente que também mora no prédio delas. Os três frequentam a mesma escola.
Escrevendo aqui agora, me dei conta de que o Freddie tinha uma mãe ligeiramente parecida com a mãe que Jannette McCurdy teve na vida real. E o personagem Freddie também tinha atitudes parecidas com as narradas pela Jannette autobiografada no quesito agradar a mãe.
A personagem Sam não poderia ser mais diferente de sua interprete. Sam era brigona, só fazia o que queria e era glutona viciada em frango frito. A jovem Jannette era oprimida, só fazia o que achava que a mãe ia gostar e sofria de anorexia, graças a uma dieta de restrição calórica que a mãe lhe impôs a partir dos onze anos.
Os meus personagens preferidos de iCarly eram os três principais e o Gibby (Noah Munch). A Sam era uma personagem tão legal que ela venceu três vezes o Kid’s Choice Awards e ganhou um spin-off.
Paralelamente a iCarly a Nickelodeon lançou a série Victorious, que eu não curti, não assisti. Em Victorious, protagonizado pela atriz Victoria Justice, a personagem coadjuvante Cat conseguiu destaque proporcional ao de Sam em iCarly. Cat era interpretada por ninguém menos que Ariana Grande.

Sam and Cat
Então o spin-off prometido para Sam Puckett estelar virou Sam & Cat e juntava as duas personagens dividindo o protagonismo. Esse não foi para frente, fez muito sucesso, mas parou na primeira temporada por incompatibilidade de agenda da pop star em ascensão Ariana Grande.
Passei grande parte do livro com a consciência pesada, pensando que não devia ter gostado de iCarly porque a atriz Jannette McCurdy, odiou cada segundo de sua vida nesse emprego. O mal estar passou quando cheguei na parte que ela realmente enfrenta o set de filmagens de iCarly e conta como a outra atriz, Miranda Cosgrove, que fazia a Carly Shay se tornou uma de suas melhores amigas para a vida e que Miranda, diferentemente de Jannette, curtia ser uma criança celebridade. Ou seja, a experiência não foi ruim para todo mundo.
Por que eu, que não leio muitos livros escritos por celebridades, nem dei conta de esperar sair a tradução e fui logo comprando o e-book em inglês mesmo? (a tradução “Estou Feliz que minha mãe morreu” sai em 15 de novembro de 2022, pela editora nVersos).
A maior parte da motivação não se deve à celebridade em si, mas ao título. Que título bombástico! E a capa? Uma mulher jovem, linda, conhecida mundialmente, segurando uma urna funerária cor de rosa, com uma cara de “foi mal aí.” Genial. Foi o livro mais vendido do New York Times em 2022. Jannette tem dado entrevistas para todo lado. Todo mundo quer saber por que ela ficou feliz que a mãe dela morreu.
Amigos, acreditem, ela tem motivos.
Desejo que Jannette continue escrevendo e ganhando muito dinheiro com seus escritos, porque ela merece.
Fiquei querendo dar esse livro para pessoas queridas no natal.
PS: Se você receber esse livro de mim, não quer dizer nem que você é abusivo, nem que acho que você sofreu abuso e nem nada. Só quer dizer que eu gostei demais dessa leitura e espero, sinceramente, que a tradução o deixe tão bem escrito quanto o original e que você curta a leitura.
Jannette, que sempre quis ser escritora, Acabou no showbizz para agradar a mãe.
O livro trata de assuntos pesadíssimos com um humor ácido e inteligente, impossível parar de ler. Eu devorei em dois dias as 320 páginas, distribuídas em duas partes, um prólogo e 91 capítulos.
Os capítulos narram episódios curtos, onde Jannette fala de alguma passagem de sua vida com a mãe ou com o espectro dela depois do falecimento e têm uma carga de emoções e raciocínios que vão fazendo o leitor entrar no clima da história e compreender os passos que levaram a autora a todas as concessões ou escolhas que compuseram sua vida desde os seis até os trinta anos de idade.
Tem horas que é sufocante e outras em que a gente ri da ironia das coisas. Ao longo da narração vamos percebendo que ela não fazia ideia de que vivia numa família disfuncional. Essa clareza chega aos poucos, á medida que a infelicidade se torna insuportável e fica patente para ela que outras pessoas vivem de outras maneiras. Ela idolatrava a mãe.
Vamos a alguns pontos da história para entendermos de que tipo de abusos estamos falando.
A família de Jannette era Mormon. Inclusive ela amava ir para a igreja aos sábados porque seriam três horas inteiras fora da casa. A casa é descrita como um ambiente opressivo e entulhado. A mãe era acumuladora. O pai era um homem muito distante, que passava horas fora de casa depois do trabalho, o que resultava em brigas homéricas. As discussões eram terríveis.
Ela era desesperada por ter mais intimidade com o pai e não conseguiu nada dele, nunca. Até um dia em que ela ouve dele uma revelação que vai explicar em parte porque ele agia como agia.
Os três irmãos e o avô eram pessoas legais, a avó era uma chantagista emocional que fazia tudo ser sobre ela.
A mãe com a conversa de que queria dar para a filha a vida que ela não teve, obrigou a pequena Jannette a atuar. Isso incluía muitas horas de aulas de dança, canto, atuação e o que mais precisasse. Sobre a escola, tanto Jannette quanto os irmãos eram educados em casa e jamais frequentaram a escola regular. Quando Jannette começou a apresentar sinais de puberdade aos onze anos a mãe a apresentou a um programa de restrição de calorias para que ela fosse magra o suficiente para sempre parecer mais nova do que era e conseguir mais papeis por isso. Em pouco tempo essa estratégia se converteu em anorexia.
A mãe de Jannette se salvou de um câncer quando ela tinha apenas dois anos e esse fantasma da doença mortal sempre pairou sobre a casa dos McCurdy. Inclusive a mãe os obrigava a assistir gravações dela na fase em que passou por quimioterapia para que fossem gratos pela cura.
Ainda na linha do perigo do câncer, a mãe dava banho na filha até os dezesseis anos e fazia “inspeções” nas partes íntimas em busca de caroços ou indícios de tumores. Isso só parou quando o câncer da mãe de fato regressou e Jannette teve que começar a viajar sozinha para fazer shows (ela era proibida de ouvir música que não fosse religiosa em casa, mas foi induzida a tentar uma carreira como cantora country).
Sozinha na estrada ela teve a oportunidade de lavar o próprio cabelo aos dezesseis anos e descobriu que a vida era mais simples e menos tensa quando sua mãe não estava por perto.
Cara, não é só isso. Essa mãe precisava demais de um tratamento psicológico.
Como na vida, nem tudo o que é ruim vem sozinho. Jannette também vai narrar abusos de um produtor da Nickelodeon, de namorados, de colegas de trabalho. Tem ainda anorexia, bulimia, abuso de álcool, depressão. É um livro pesado. E a capacidade da autora de rir da própria desgraça torna a leitura daquelas páginas bem mais agradável.
A ficção também é cheia de pais abusivos, que traçam um ideal para seus maravilhosos rebentos e fazem da vida dessas crianças um inferno.
A série da Hulu, disponível no Prime Video e baseada em livro homônimo, Little Fires Everywhere é o puro suco de narcisismo materno. Inicialmente Helena até parece ser uma mãe mais tóxica que Mia, mas… será?
Essa série e as duas mulheres têm muito mais camadas que isso, mas para os propósitos desse texto vamos nos ater às maternidades. Também vamos nos concentrar na série, visto que essa que vos escreve não leu o livro.
Helena (Reese Witherspoon) é uma jornalista de um pequeno jornal em uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos. Ela é branca, bonita, rica, bem vestida, tem três filhos e um marido que tem aspirações políticas.
Eles moram em uma casa perfeita e têm uma outra propriedade que alugam.
Quem vai morar na casa de aluguel é Mia (Kerry Washington) que é uma artista plástica, negra, misteriosa, bonita, inteligente, culta e sem grana. Mia tem uma filha, que pode ser considerada, à primeira vista, uma filha modelo.
Os filhos das duas mulheres frequentarão a mesma escola.
Helena, que abriu mão de sonhos para ser jornalista no interior, exige dos filhos que participem do papel de família tradicional estadunidense que ela criou para si própria. A filha mais velha, aderiu ao papel, ainda que ao longo da série possamos perceber o que ela está disposta a fazer para atender aos padrões da mãe e o quanto isso faz mal a ela. O filho do meio também parece bem adaptado. Mas Isabel, Izzy, a mais nova, nunca conseguiu se enquadrar. Izzy é constantemente comparada aos irmãos, criticada pela mãe que a todo tempo tenta mudá-la.
Por outro lado, na casa de Mia, Pearl, sua filha, vive sendo arrastada pela mãe em em mudanças de cidade sem maiores explicações. Essas mudanças ocorrem em intervalos irregulares, às vezes de poucos meses. Pearl está farta de se mudar. Ela ama a mãe, admira a independência e o talento dela, porém é forçada a uma vida nômade e só quer estabilidade.
Aos poucos Pearl vai se aproximar da família de Helena e curtir aquele ar de estabilidade e vínculos sociais bem fortalecidos, ao mesmo tempo Izzy vai enxergar em Mia uma mulher mais próxima da mãe que ela queria ter. Mia se torna para Izzy uma mulher que a encoraja a ser o que realmente é, sem representar ou se oprimir para caber em um papel social.
E isso vai ser um xabu que culmina com um incêndio metafórico e outro de verdade.
Temos ainda na ficção um exemplo que é mais próximo do modelo de mãe abusiva de Debra mcCurdy: Erica Sayers.
Se eu visse esse nome escrito assim, jogado em algum lugar não me lembraria de pronto quem é essa personagem. Essa mulher é a mãe da personagem Nina Sayers, Natalie Portman em Cisne Negro. Lembram dela?
Esse é um filme favorito. Beira a perfeição.
Erica, vivida por Barbara Hershey, é uma ex bailarina que não viveu seu sonho de ser a primeira bailarina do teatro municipal. Então projetou em sua filha Nina seus sonhos frustrados. É o clássico: você terá as oportunidades que eu não tive.
O problema é que as “oportunidades” não são opcionais. Não se trata de fazer o melhor para realizar o sonho da filha e sim fazer o máximo para que a filha realize o sonho da mãe. A filha, vista como a obra prima daquela adulta frustrada, vira o centro de uma rede de manipulações, chantagens emocionais, domínio de todos os aspectos da vida pessoal.
Erica Sayers é uma personagem fictícia tão narcisista quanto Debra McCurdy foi na vida real.
As duas tinham sonhos de carreira artística que não se concretizaram; tiveram filhas das quais dominaram o corpo e a mente regulando comida, amizades, hobbies, determinando que carreiras deveriam seguir, obrigando a treinamentos excessivos para que se aprimorassem nas profissões escolhidas para elas.
As duas filhas, Jannette e Nina, carregavam o fardo da felicidade da mãe, que era tudo o que almejavam na vida, até o despertar de algum nível de consciência sobre a relação abusiva em que estavam.
Gente, se um dia acharem que faço isso com minha filha, por favor me deem um toque.
Cisne Negro vai acompanhar a história de Nina, a bailarina que interpretará o papel principal na peça de ballet do mesmo nome do filme. Nina, que convive não só com a mãe mas também com o coreógrafo abusivo, é uma bailarina que treina dia e noite e tem uma técnica irreparável. O que falta a ela é “mojo”, prazer pelo que faz, e isso a transforma em uma bailarina sem emoção na concepção do coreógrafo.
Um dia, a companhia de Ballet ganha o reforço da bailarina Lily (Mila Kunis). Lily não é disciplinada como Nina, tem uma vida social e sexual ativa, é divertida e… tem aquele je ne sais quoi que o coreógrafo não vê em Nina.
Nina, por sua vez, vai desenvolver por Lily um turbilhão de sentimentos que vão passar pelo medo de perder o papel principal para ela, vontade de ser como ela, tesão, admiração, inveja.
O que a Nina faz para virar o Cisne Negro que o público, o coreógrafo e a mãe esperam é de tirar o fôlego. O final é apoteótico.
E aí? Nina se sacrificou daquele jeito para ser ela mesma atendendo a um desejo próprio ou para atender expectativas alheias?
No caso da atriz mirim Jannette McCurdy não há espaço para essa dúvida. Foi para atender expectativas.
Sofreu a pessoa. E o processo de autoconhecimento e libertação é igualmente interessante de ler. Achei perfeito esse livro de memórias.
Só a título de desagravo, visto que as quatro pessoas narcisistas e obsessivas citadas aqui são mães. É fundamental citar exemplos de pais narcisistas.
Informações sobre esses manipuladores, aproveitadores que se acham o alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado e que portanto devem ser servidos por seus filhos talentosos, podem ser achadas aos baldes no Google. Dou só os nomes dos réus: Joe Jackson, Kit Culkin e Jamie Spears.
Macaulay Culkin, Britney Spears, Michael Jackson e os outros jacksonzinhos e Jannette McCurdy podem ser entendidos como pessoas bem sucedidas financeiramente graças ao massacre a que foram submetidos por seus pais (cada um em um grau). Pensem em quantas crianças estão nesse momento colecionando traumas e perdendo suas infâncias por um sonho que não é delas e que, pior, pode não dar nenhum retorno positivo.
Os filhos citados no último parágrafo reiteradas vezes deram declarações de frustração e mágoas em relação a seus cuidadores/empresários.
Só para fechar, recomendo a entrevista que Jannette concedeu a Drew Barrimore sobre o livro I’m Glad My Mom Died.
MCCURDY, Jannette. I’m Glad My Mom Died. EUA: A Simon & Schuster Book, 2022.
SCHENEIDER, Dan. iCarly. EUA: Nickelodeon, 2007-2012.
SCHENEIDER, Dan. Sam & Cat. EUA: Nickelodeon, 2012- 2014.
ARONOFSKY, Darren. Cisne Negro. EUA: Fox Searchlight Pictures, 2010.
SHELTON, Lynn; WEAVER, Michael & STEWART, Nzingha. Little Fires Everywhere. EUA: Hulu/HBO, 2020.
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