
Capa de Bartleby, o escriturário
“Sou um homem de certa idade. A natureza das minhas ocupações, nestes últimos trinta anos, me levou a entrar permanentemente em contato com uma espécie de homens interessantes e um tanto singulares, da qual, que eu saiba, nada até agora se tem escrito: refiro-me aos copistas, escriturários ou escreventes a serviço de homens de leis. Conheci muitos, quer profissional quer particularmente, e poderia, se quisesse, contar sobre eles inúmeras histórias que fariam sorrir afáveis cavalheiros e levariam às lágrimas as almas sentimentais. Mas renuncio às biografias de todos os demais escriturários para relatar algumas passagens da vida de Bartleby, o mais estranho de todos que jamais vi e de quantos tive notícia. Se de outros escreventes eu poderia traçar a biografia completa, de Bartleby nada nesse estilo eu poderia fazer. Acredito não existirem elementos para uma biografia completa e satisfatória deste homem. É uma perda irreparável para a literatura. Bartleby era uma dessas criaturas de quem nada se pode averiguar senão nas fontes de origem, e, no caso dele, estas eram muito escassas. O que meus olhos atônitos viram de Bartleby é tudo quanto sei dele – exceto uma vaga informação que será relatada mais adiante”
MELVILLE, Herman. Bartleby, o escriturário. p.6.
Essa é uma história hilária e, por vezes, insólita que poderia ter sido escrita por Kafka ou por Scot Fitzgerald mas é de autoria de Herman Melville, o autor cujo livro mais famoso é Moby Dick.
É uma novela bastante fácil de ler e inventiva ao extremo que conta um caso de um homem que emprega um outro chamado Bartleby em seu escritório, na função de escriturário.
Tratava-se de um escritório de Conselheiro do Tribunal de Chancelaria, em Wall Street, Nova York, com vista para paredes de outros edifícios e esse é um detalhe de alguma relevância para a história. Essa função, que de acordo com o narrador não nomeado, lhe era muito rentável, teria sido extinta contrariando suas expectativas de ganhos vitalícios.
Antes do fim dessa honorável burocrática função, o escritório teria contratado três escriturários e um mensageiro, dado o volume de serviço.
É importante mencionar que a índole do empregador é de um homem calmo, que vê os pontos fracos e fortes de seus funcionários e tenta obter deles o melhor trabalho, sempre com respeito e calma, valorizando suas qualidades e relevando os defeitos, posto apesar de alguns deslizes seus empregados faziam corretamente o trabalho.
Além de Bartleby, que foi contratado por último, os outros escriturários são chamados por apelidos Turkey, que trabalhava bem pela manhã e mal pela tarde, e Nippers, que era enrolado, rabugento e fazia trabalhos particulares, inclusive atendendo pessoas, em seu horário de serviço, embora fosse muito eficiente e, portanto, necessário no escritório.
Isso para demonstrar que o patrão não exigia perfeição de seus subordinados desde que pudesse contar com o trabalho deles. O trabalho consistia em fazer à mão cópias de documentos originais e depois conferir se estava tudo certo.
Quando o serviço aumentou e Bartleby chegou ele se mostrou mais eficiente que os colegas, ganhando o apreço do patrão e a desconfiança dos outros copistas. Outra característica do novato que atraiu a maledicência dos demais é que ele não era de conversar. Simplesmente fazia o que tinha que fazer sem distrações e sem interações, misterioso.
Um belo dia, o eficiente Bartleby, fora convocado pelo chefe para realizar a tarefa de conferência de uma das cópias que ele havia feito. Assim como Turkey e Nippers faziam, o chefe leria o original, enquanto Bartleby seguiria lendo a cópia a fim de se certificar que estava fielmente reproduzida. Então ele respondeu a seu empregador com a seguinte frase: “Prefiro não fazer.”
Assim… educado, calmo, mas resoluto: “Prefiro não fazer.”
Claro que se Bartleby não faz, alguém tem que fazer e isso acabou gerando desconforto entre o chefe e os demais copistas. Até porque “Prefiro não fazer” se tornou expressão frequente na boca de Bartleby.
Mesmo quando os demais o interpelavam já sem paciência, aquele ser de comportamento exótico, simplesmente, dava aquela resposta com a placidez inabalável e desconcertante.
Com o tempo, o patrão vai se enredando numa louca convivência com aquele indolente e curioso ser, que fica insustentável, a ponto de mudarem de escritório para se livrar dele. Não me estenderei nos detalhes, só adianto que esse abandono de Bartleby no antigo escritório não teve a eficiência esperada.
Enfim, são menos de cem páginas angustiantes e divertidas, que valem muito a pena ser lidas se você gosta de personagens diferentões e histórias singulares.
As polidas negativas de Bartleby ao longo da trama, são sempre iniciadas por “prefiro não…” o que se torna uma espécie de bordão.
Assim como Bartleby outro personagem muito conhecido no Brasil é o mexicano de Tangamandápio: Jaiminho, carteiro da série Chaves, produzida por Roberto Bolaños.

Chaves (El Chavo del Ocho)
Chaves é a história de um menino de rua que atende pelo mesmo nome e vive em um barril numa vila de classe baixa em um subúrbio mexicano. Na mesma vila outras famílias e personagens ocupam lugar central, como a Dona Florinda, Quico, Chiquinha, Senhor Madruga e Dona Clotilde (a “bruxa” que reside no número 71). Outros personagens mais coadjuvantes também frequentam a vila ou a escola em que estudam as crianças. Entre esses personagens que aparecem com menos frequência, está o pitoresco carteiro Jaiminho.
Jaiminho não é o único preguiçoso entre os personagens, aliás o mais eloquente de todos é o senhor Madruga que vive de bicos ocasionais e calotes frequentes e faz qualquer negócio para não ter que trabalhar. Entretanto, é Jaiminho quem mais se assemelha a Bartleby.

Jaiminho, Carteiro da série de TV Chaves.
Jaiminho tem um emprego fixo e percorre a cidade levando as correspondências. Toda vez que chega ao local em que deveria entregar várias cartas e pacotes ele se senta da forma mais confortável possível e faz com que os moradores peguem suas próprias correspondências e ainda finalizem as entregas em outros domicílios por ele. Sempre dizendo a frase: “Quero evitar a fadiga!”
E sendo a indolência o tema deste texto sobre Bartleby, o escriturário, a canção o ABC do preguiçoso, do músico brasileiro Xangai, cai como uma luva para arrematar esse tema.
Na letra um marido deitadão na rede inventa das desculpas mais revoltantes para a mulher, que ele chama de “minha véia” para não ter que assumir as tarefas cotidianas, deixando todo o serviço para ela e ainda termina o verso final em tom desaforado.
Todas as estrofes terminam da mesma forma o que também pode ser identificado como um bordão daquele personagem:“Ai d’eu sodade”.
“Disgramado se alevanta, deixa de ser preguiçoso
O homi que num trabáia num pode cumê gostoso
É que trabáia é muito bom num é minha véia
Mas é um pouco arriscoso e ai d’eu sodade”
(ABC do preguiçoso. Xangai)
MELVILLE, Herman. Bartleby, o escriturário. Tradução Luís de Lima. Rio de Janeiro: Rocco Jovens Leitores, 2010.
BOLAÑOS, Roberto. El Chavo del Ocho. México: Televisa, 1973 – 1980.
Deixe um comentário