
Capa do livro Anna Kariênina
“- Como assim? O partido de Bertiénev, contra os comunistas russos?
– Não – respondeu Serpukhóvskoi, franzindo o rosto, irritado por alguém imaginar tamanha tolice de sua parte. – Tout ça est une blague. Sempre houve e sempre haverá. Não existem comunistas. Mas os intrigantes têm sempre necessidade de imaginar um partido nocivo, perigoso. É um truque antigo. Não, é preciso um partido de poder, de pessoas independentes como você e eu.
– Mas, por que? – Vronsky citou o nome de alguns homens que estavam no poder. – Por que não seriam eles pessoas independentes?
– Simplesmente porque não têm ou não tiveram, por nascimento uma condição de independência, não tiveram um nome, não tiveram uma proximidade com o sol, com o qual nascemos. Podem ser comprados com dinheiro ou com afagos. Para se sustentarem, precisam inventar uma tendência qualquer, em que eles mesmos não acreditam e que é prejudicial; e toda essa tendência não passa de um meio para se instalar sob o abrigo do Estado e receber honorários funcionais. Cela n’est pas plus fin qui ça, quando se consegue ver as cartas que eles têm nas mãos. Talvez eu seja pior, mais tolo do que eles, embora não veja porque eu teria sido pior do que eles. Mas, conto com uma vantagem indubitável: somos mais difícieis de comprar. E pessoas assim são mais necessárias do que nunca.”
TOLSTÓI, Liev. Anna Kariênina. p.316.
Uma das coisas que chama atenção no romance Anna Kariênina de Liev Tolstói, é que os personagens aristocratas sempre misturam expressões inglesas e, sobretudo, francesas em suas falas cotidianas. Inclusive menciona-se ao longo da obra cartas de um personagem a outro que teriam sido escritas em “bom francês”.
A França era no século XIX o país símbolo de civilização e sofisticação e essa influência era exercida mundialmente, não sendo uma exclusividade russa. Anna Kariênina foi escrito entre 1875 e 1877, durante o reinado de Alexandre II (1855 – 1881).
Nada contra o uso de expressões em outras línguas no dia a dia, inclusive porque algumas expressões simplesmente não têm a mesma graça quando traduzidas.
Hoje, o inglês domina esse lugar de emprestar expressões para mesclar a línguas locais nos países falantes de outras línguas, e sabe-se que por exemplo nos Estados Unidos, expressões espanholas, aparecem salpicadas nas conversas corriqueiras.
Ao contrário do que podem dizer alguns críticos desse hábito de misturar línguas estrangeiras nas conversas em língua pátria, não me desagrada desde que feitas com parcimônia.
Inclusive em Anna Kariênina essas citações inglesas e francesas fazem com que o retrato das influências externas na Rússia czarista fique mais evidente e o faz de forma que isso não precise ser dito textualmente, na forma de uma explanação sobre a geopolítica oitocentista.

Retrato de Luís XIV, feito por François José Hyacinthe Rigaud. 1701.
O domínio cultural francês durou bastante tempo, iniciando por volta do século XV e se firmando de vez no reinado de Luís XIV, o Rei Sol, com o advento da moda como tendência cíclica e a necessidade criada de se moldar ao que é relevante estética e culturalmente num dado momento. Claro que Maria Antonieta e outras tantas influências francesas consolidaram a importância daquele país para a moda e ao longo dos séculos, sendo Paris a capital da moda até hoje. Porém, até a ocupação dos estadunidenses do patamar de potência econômica e cultural, a França reinou absoluta, quase sem concorrência.

Poster da série The Great
Isso é muito evidente em uma série de comédia histórica, no Brasil disponível no Starzplay, chamada The Geat, que conta de forma bastante irônica a trajetória de Catarina II, ou Catarina a Grande, Czarina russa entre 1762, quando por meio de um golpe depôs seu então esposo Pedro II, e 1796. A monarca foi interpretada por Elle Fanning.
Essa série hilária conta, com muita licença ficcional, como Catarina, de origem alemã, ao chegar em solo russo para concretizar o casamento arranjado com o então governante Pedro II, se choca com a cultura atrasada daquele país, tenta modernizar a corte e dá o golpe que a conduziu ao poder.
Catarina que era letrada e culta, não conseguia se dar bem com as outras nobres que viviam na corte de Pedro II, a maior parte delas sequer sabia ler. A série exagera no efeito cômico sobre a relação entre os russos e os produtos franceses, sobretudo as perucas, vestidos e tecidos.
Uma passagem bem nítida dessa adoração por produtos franceses está quando às vésperas de um festejo na corte vestidos vindos de Paris são exibidos para as cortesãs russas escolherem os trajes que usaram na ocasião. A líder das cortesãs, Lady Svenska, que era desafeto e disputava influência sobre as outras mulheres com Catarina, escolhe um vestido de tecido listrado de marrom e bordô. Para humilhar a rival, Catarina manda fazer a tenda principal do evento com o mesmo tecido do vestido escolhido por Lady Svenska, deixando-a desconcertada e envergonhada ao perceber o ocorrido.
As novelas brasileiras usam um recurso de linguagem que mistura idiomas estrangeiros ao nosso português para que a audiência entenda que os personagens estão a falar outra língua muitas vezes em outros países. Podemos citar várias, especialmente as escritas por Glória Peres, como O Clone e Caminho das índias, ou as novelas sobre imigrantes italianos de Benedito Ruy Barbosa, a exemplo de Terra Nostra.
Mas a que lembra o que acontece em Anna Kariênina não é nenhuma dessas. Não se trata de franceses morando na Rússia, mas nobres russos admiradores da cultura francesa, incorporando expressões ao seu vocabulário diário. Nesse aspecto, a novela A Indomada, de Agnaldo Silva e Ricardo Linhares, é a que mais se aproxima.

Cartaz de A Indomada
Essa trama, também hilária, se passa em Greenville, cidade imaginária no estado de Pernambuco. Os habitantes têm orgulho da influência britânica naquela região, posto que fora habitada por ingleses quando da construção de uma estrada de ferro. Os moradores mantém hábitos típicos ingleses, como o chá das cinco e a frequência a uma espécie de pub chamado British Club.

Maria Altiva Pedreira Mendonça de Albuquerque (Eva Wilma)
Os personagens, com poucas exceções misturam português e inglês em suas falas, sempre traduzindo imediatamente a expressão estrangeira usada. Curiosamente, uma das personagens que não usa vocábulos ingleses em suas falas é a principal: Lúcia Helena, que estudou em Londres e regressou para Greenville para se casar com o rico egípcio Faruk e reaver a usina de açúcar Monguaba, que fora de sua família outrora. Aliás, uma das antológicas vilãs das novelas brasileiras foi vivida por Eva Wilma em A Indomada, a inesquecível Maria Altiva Pedreira de Mendonça e Albuquerque.
Por fim, sugiro a música Samba do Approach de Zeca Baleiro, que com bom humor e participação de Zeca Pagodinho, trata da incorporação de palavras e expressões em inglês pelos brasileiros.
TOLSTÓI, Liev. Anna Kariênina. Tradução: FIGUEIREDO, Rubens. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
LINHARES, Ricardo & SILVA, Agnaldo. A Indomada. Brasil: Globo, 1997.
O’HAGAN, Nick & O’TOOLE, Dean. The Great. EUA: Paramount, 2020 – atual.
05/07/2022 at 14:28
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