“Eu devo me casar com Edgar Linton tanto quanto mereço estar no céu. E se aquele homem perverso lá em cima não tivesse feito Heathcliff descer tão baixo, eu não pensaria duas vezes. Seria degradante para mim me casar com Heathcliff agora; portanto, ele jamais saberá o quanto o amo. E isso não por ele ser bonito, Nelly, mas porque ele é mais eu do que eu mesma. Seja qual for a matéria de que nossas almas são feitas, a minha e a dele são iguais; e a de Linton é tão diferente quanto o raio de luar é de um relâmpago, ou a geada do fogo.”
Emily Brontë. O Morro dos Ventos Uivantes.
Como pode uma história de amor avassalador em que não há um personagem sequer que seja uma boa pessoa? Claro que alguns são mais maldosos que outros, mas não há anjos nesse que é o único livro de Emily Brontë, escrito em 1847. Ela faleceu aos 30 anos um ano depois de publicar O Morro dos Ventos Uivantes.
As irmãs Brontë, Emily, Anne e Charlote, são conhecidas por suas obras primas e pela vida curta. Esse é o mais conhecido dos livros que foram escritos pelas meninas prodígio Brontë. Na sequencia temos Jane Eire, da Charlote, e A Inquilina de Windfell Hall, da Anne.
O Morro dos Ventos Uivantes tem um clima soturno, escuro, de pisar em ovos. Ele é tão casca grossa que duvidaram que teria sido escrito por uma mulher. Naquela época qualquer coisa genial feita por mulheres caía em suspeição e havia uma tentativa de dar os créditos a algum macho, mas esse era tipo “não há possibilidade alguma que uma florzinha do campo como Emily possa escrever uma coisa tão lado escuro da força.”
A história é narrada por três personagens. O principal é o inquilino da Granja de Thurshcross, a propriedade vizinha que pertence ao dono de Morro dos Ventos Uivantes, o que a gente acompanha são as lembranças dele. A segunda é Ellen Dean (Nelly) que trabalhou como governanta na propriedade chamada de Morro dos Ventos Uivantes e depois na Granja. Nelly é uma narradora/personagem que conta as coisas em terceira pessoa. Ela é suspeita, porque tem vieses e predileções, sendo portanto, uma narradora pouco confiável. Como ela passou para o inquilino como parte da propriedade que alugara, eles vão conversar muito e ela vai narrar muitos episódios do passado. A terceira é Catherine Earnshaw por meio de anotações feitas por ela encontradas pelo inquilino na noite em que ele dormiu, por motivos de força maior, em Morro dos Ventos Uivantes.

Versão das Filipinas
Nessa noite o coitado penou para dormir. Primeiro teve que conviver com o grotesco comportamento dos habitantes da casa, aí quando as condições metereológicas impediram sua saída de volta a sua casa, o anfitrião mais terrível do mundo, Sr. Heathcliff, mandou a empregada Zillah arrumar um quarto para o visitante indesejado. E Zillah arrumou um quartinho bem específico e peculiar da casa. O moço, Sr. Lockwood, teve uma noite terrível. o quarto era frio, desconfortável e a noite foi coalhada de pesadelos. Como se não bastasse, ele viu um fantasma, sim, um que estava do lado de fora pedindo para entrar e se apresentou como Catherine Linton.
Isso não é spoiler, é a premissa, está bem nas primeiras páginas. É a partir daí que Lockwood vai se interessar pela história daquela gente estranhérrima que habita Morro dos Ventos Uivantes.
Eram duas famílias vizinhas, os Earnshaw e os Linton, que moravam em uma região isolada na Inglaterra no início do século XIX. Os primeiros são os habitantes da propriedade Morro dos Ventos Uivantes, conhecidos por seu mau humor e grosseria. Os Linton moram na chamada Granja de Thurshcross e são educados, refinados e amorosos.

Versão de Bollywood
Em Morro dos Ventos Uivantes moram inicialmente o Sr. Earnshaw, seus filhos biológicos Catherine e Hindley. Heathcliff era uma criança cigana que o Sr. Earnshaw encontrou perdida e adotou. Também moravam lá dos criados Ellen Dean (Nelly) e Joseph. Os Earnshaw, por estarem imersos em um ambiente pouco acolhedor e abusivo, crescem replicando os modos rudes com que foram criados.
Catherine e Heathcliff se tornam unha e carne. Ao passo que o menino cigano é desprezado por Hindley. O ódio que Hindley dedica a Heathcliff, se deve aos ciúmes causados pelo fato de o pai dizer abertamente que gostava mais de Heathcliff de quem admirava várias qualidades. Após o falecimento do Sr. Earnshaw, Hindley se torna o chefe da casa e o que estava ruim piora. No fundo do poço pode ter um alçapão.
Todos os personagens são perversos em algum grau nessa história, porém Heathcliff, o “mocinho”, supera todos os outros.

Versão da MTV
Amigos… vai ser um rococó de esse casando com aquele que casa com aquele outro, mas ama sei lá quem, e os herdeiros casam com os herdeiros do outro casal e tem os filhos dos filhos… aaaaahhhhh. Entendeu?
Nessa pequena confusão de casamentos, nascimentos e famílias temos não um, mas dois triângulos amorosos, vai ter que ler para saber quem casou com quem e tals.
Três músicas ótimas e de estilos bem diferentes, se relacionam perfeitamente com o tema desse artigo. A primeira, claro, é Wuthering Heights (Morro dos ventos uivantes), de Kate Bush, também interpretada pela banda brasileira Angra.

Novela brasileira exibida pela TV Excelsior em 1967.
As outras duas falam de triângulos amorosos Bizarre Love Triangle, do New Order, e Preciso dizer que te amo, de Bebel Gilberto e Cazuza. Bizarre Love Triangle tem também outras versões, destaca-se a da banda Frente!, cuja melodia é bem suave.
Outro livro imperdível, também escrito por uma mulher, é História do novo sobrenome, de Elena Ferrante. Essa obra é a segunda parte da Tetralogia Napolitana, que apareceu por aqui no texto A amiga genial – amizade transformadora. Nessa parte da trama, Lenu ama Nino Sarratore desde criança, Lila é casada com Stefano Carracci, Lila terá um caso com Nino.

História do novo sobrenome, de Elena Ferrante.
Eis a formação desse quadrado amoroso: Lenu e Lila são melhores amigas desde sempre. Lila amava Stefano que amava Lila, eles se casaram. Na festa de casamento, Lila é humilhada por Stefano. Depois da festa, ao pedir explicações, Lila toma sua primeira bofetada do marido. O amor dela por ele acaba ali. Na época em que se passa o livro e nas condições sociais dos personagens, as mulheres não se divorciavam mesmo que o marido fosse um carrasco como Stefano. Lenu tinha medo de se declarar a Nino, que por sua vez, tinha um comportamento ambíguo quanto a gostar ou não dela. Lila e Lenu viajaram juntas para Ischia. Lá encontram Nino. Nas férias de Ischia, Lila e Nino se apaixonam e começam um caso extraconjugal, que será um ponto de virada no enredo. Lenu fica arrasada e se afasta do novo casal por um longo tempo.

Capa do livro O Clube da Luta de Chuck Palahniuk.
Bizarre love triangle, do New Order é a cara do próximo triângulo: Tyler Durden + Marla Singer + o narrador, em O Clube da Luta, de Chuck Palahniuk. Em termos de bizarrice, qual seria o triângulo vencedor?
Assim como a obra de Brontë traz, não um, mas dois triângulos, sendo o principal composto por dois homens e um fantasma (opa! Escapou um pequeno spoiler), o triangulo de o clube da luta pode ser também representado por uma reta. O narrador tem dificuldades de se declarar a Marla abrindo espaço para Tyler, mas… eles são a mesma pessoa. Ao que parece, o narrador sofre de transtorno dissociativo de personalidade, sendo ele mesmo seu melhor amigo e rival. Mais informações sobre a obra nos textos: O clube da luta (parte 1) e O Clube da Luta (parte 2).

O morro dos ventos uivantes. Filme de 1992.
Para melhorar o entendimento de O Morro dos Ventos Uivantes, pode-se também recorrer a adaptações para o cinema ou TV. Contei até quinze opções, depois parei de procurar. Uma obra escrita há quase 200 anos, que se mantém relevante a ponto de inspirar tantos diretores e produtores a adaptá-la para o audiovisual, deve ser porque a autora acertou muito. Tem versão mexicana, filipina, brasileira, japonesa, indiana e outras nacionalidades. A primeira adaptação foi produzida em 1920, a última de que se tem notícia é de 2011 e a mais conhecida é a de 1992, da Paramount, estrelada por Ralph Fiennes e Juliette Binoche, dirigida por Peter Kosminsky.
BRONTË, Emily. O Morro dos Ventos Uivantes. Tradução: CAMARA, João Sette. 2º edição. Jandira: Principis, 2019.
FERRANTE, Elena. História do novo sobrenome. Tradução: SANTANA, Maurício Dias. São Paulo: Biblioteca Azul, 2016.
PALAHNIUK, Chuck. O Clube da Luta. Tradução: Cassius Medauar. São Paulo: Leya, 2012.
KOSMINSKY, Peter. O morro dos ventos uivantes. Reino Unido e EUA: Paramount, 1992.
Vídeos visualizados em 20/02/2021
13/03/2021 at 13:08
Adoro esse livro!! Seu texto é reflexão são bem interessantes e dá conta do quanto a obra foi marcante para gerações, constituindo -se verdadeiramente um clássico.
14/03/2021 at 15:20
Obrigada, Patrícia! Também amo essa história e fico muito feliz que tenha gostado do texto! Beijos!