Os Sete Maridos de Evelyn Hugo

“ ‘Você está tendo a oportunidade da sua vida, Monique. E consegue entender isso, né?’

‘Claro.’

‘Então faça um favor para si mesma e a agarre com unhas e dentes, querida. Não se preocupe tanto em fazer a coisa certa quando a escolha mais inteligente se mostra de uma forma tão óbvia.’

‘Você não acha que eu preciso ser honesta com meus patrões nesse caso? Eles vão pensar que foram apunhalados pelas costas.’

Evelyn faz que não com a cabeça. ‘Quando minha assessoria citou seu nome, eles responderam sugerindo pessoas mais tarimbadas. Só concordaram em mandar você quando deixei bem claro que eu não falaria com mais ninguém. Sabe por que fizeram isso?’

‘Porque eles não acreditam que eu…’

‘Porque eles agem em benefício dos próprios interesses. Então faça isso você também. No momento você tem uma chance de se beneficiar absurdamente. E tem uma decisão a tomar. Vamos escrever esse livro juntas ou não? Já vou avisando, se você não escrever, não vou contar essa história para ninguém. Vai morrer tudo comigo, nesse caso.’

‘Por que só eu posso contar a história da sua vida? Você nem me conhece. Isso não faz sentido.’

‘Não tenho a mínima obrigação de fazer sentido para você.’ ”

REID, Taylor Jenkins. Os Sete Maridos de Evelyn Hugo.

 

Semana das mulheres. Bora falar de um livro muito legal.

Escolhi esse livro agora porque em primeiro lugar Taylor Jenkins Reid está viva e produzindo literatura. É bom dar dinheiro a quem vai usufruir dele em vida. Não que ela esteja precisando, mas porque ela merece. Esse livro, em minha opinião, é tudo o que dizem dele. Outro motivo é que assuntos feministas e femininos estão quase todos, pelo menos, pontuados ali dentro, de uma forma brilhante e com uma protagonista interessantíssima.

Evelyn Hugo é uma atriz hollywoodiana daquelas inesquecíveis, como Elizabeth Taylor ou Marilyn Monroe. Essa superestrela decide procurar a jornalista inexpressiva Monique Grant para ser a escritora de sua biografia brutalmente honesta. A atriz faz questão de dar sua história, que seria um best seller instantâneo, a Monique. E isso tem um motivo.

O livro alterna a narração da vida de Evelyn Herrera, cujo nome artístico é Evelyn Hugo, e partes da vida da jornalista, tudo em primeira pessoa. As partes de Monique são interessantes, mas elas dão uma espécie de crise de abstinência das partes de Evelyn. No início dá vontade de pular as páginas, até que a gente percebe a evelynhugolização da personalidade de Monique e aí a jornalista fica mais interessante.

Não é sobre os maridos. É sobre a Evelyn, como ela angariou por méritos próprios seu espaço no estrelato e como equilibrou (ou não) com a vida pessoal.  Esses maridos vão aparecendo na história em ordem cronológica. Cada um deles tem uma razão específica para ter entrado na vida dela. Não é sobre uma mulher que se casou sete vezes em busca do grande amor, embora ela tenha vivido um grande amor. É uma mulher que sabia exatamente o que queria e fez o que teve que fazer para conseguir. Louvável? Nem sempre. Estamos mais acostumados a personagens masculinos com esse perfil. E isso também é uma questão abordada no livro.

Nossa protagonista está longe de ser um anjo, bem longe mesmo. Aliás não tem anjos nessa história.

Evelyn era uma descendente de imigrante cubana, que perdeu a mãe muito cedo e fez o que precisou para se tornar um ícone do cinema. Alguns dos casamentos tiveram a função exclusiva de dar suporte à carreira, outros de salvar a pele dela de escândalos. Alguns foram por amor e outros meros acordos. Cada um com seu nível de honestidade de ambas as partes.

Ao ser contratada como biografa, Monique segue essa linha sensacionalista na escolha do título focado na vida matrimonial de Evelyn porque é isso que vende. As pessoas estão interessadas em saber como começou e terminou cada casamento, qual foi o mais significativo e quem foi o grande amor de Evelyn Hugo. Elas terão isso, mas descobrirão que é quase irrelevante perto da realidade.

E, cara… é sensacional.

Os Sete Maridos de Evelyn Hugo é da mesma autora de Daisy Jones & The Six, que já tem texto aqui.

Daisy Jones & The Six

já ouvi dizer que se você lê Daisy Jones primeiro vai preferir aquele, porque as estruturas de narração são parecidas, logo o Evelyn Hugo vai parecer uma repetição de fórmula. Discordo muito.

Esse livro tem representatividade. É multiétnico sem colocar latinos e pretos em funções subalternas embora discuta a questão da origem cubana da atriz como empecilho para o estrelato sem rodeios. Outros temas sensíveis serão a sexualidade feminina, bissexualidade, homossexualidade, violência doméstica, machismo, superexposição, objetificação feminina.

Entremeando a história, aparecem matérias de jornal e revista e isso é muito bacana porque cria a sensação de estar tratando de uma personagem real. Incrível como fui procurar por trailers e informações de adaptações para o audiovisual durante e depois da leitura. A sensação de estar tratando de personagem real é muito forte.

Prefiro Evelyn Hugo de longe, e olha que gostei muito de Daisy Jones. Evelyn é um personagem muito mais complexo que qualquer dos personagens de Daisy Jones.

Foi uma grata surpresa, porque eu não sabia se ia querer ler mais coisas da Taylor Jenkins Reid. Tinha aquela expectativa de que ao mergulhar na história da Hollywood dos anos 50 a 90 iria descobrir que ela era uma autora de uma história só. Isso não se confirmou. Está de volta o projeto de ler Malibu Renasce.

Entre Daisy Jones & The Six e Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, se for ler um só, recomento fortemente o segundo.

O clima do livro pode ser bem representado pelo álbum American Life, de Madonna.

Los Angeles é a cidade estadunidense do estado da Califórnia para onde se dirigem muitos aspirantes a carreiras artísticas, pois é onde se concentram os principais estúdios de cinema e gravadoras do mundo. Los Angeles é definida por Evelyn Hugo como: um lugar e um sentimento. Não é só um ponto no mapa, a cidade representa sonhos, expectativas, estilo de vida.

O álbum American Life todo poderia ser a trilha sonora do filme (quando ele existir), talvez com arranjos diferentes para soar como músicas das décadas em que se desenrolam a vida da personagem principal.

O sentimento hollywoodiano está muito lindamente expresso na letra e na música da canção Hollywood, segunda faixa do álbum.

“Everybody comes to Hollywood/ They wanna make it in the neighbourhood/ They like the smell of it in Hollywood/ How could it hurt you when it looks so good?/ Shine your light now/ This time it’s got to be good/ You get it right now/ Cause you’re in Hollywood/ There’s something in the air in Hollywood/ The sun is shining like you knew it would/ You’re riding in your car in Hollywood/ You got the top down and it feels so good/ (…) There’s something in the air in Hollywood/ I’ve lost my reputation bad and good”

Outros personagens da ficção, que como Evelyn eram extremamente objetivos, era o casal Frank e Claire Underwood, representados por Kevin Spacey e Robin Wright na série House of Cards, da Netflix. O casalzinho é bem mais sem coração que Evelyn Hugo, diga-se de passagem.

Uma das produtoras da serie é a atriz Robin Wright que faz também o dos papel de Claire Underwood. Outro dos produtores, David Fincher, também é responsável pelo filme O Clube da Luta, adaptado da obra de Chuck Palahniuk.

Aliás, é do personagem Frank a expressão “ruthless pragmatism”, pragmatismo brutal em tradução livre. Pragmatismo brutal é a principal, talvez a única, característica que Frank Underwood respeite em alguém.

Frank e Claire não querem ser estrelas de cinema. Enquanto Evelyn quer a fama e o dinheiro, Frank deixa claro que em sua concepção não é possível ter os dois plenamente e que se tiver que escolher, ele sempre escolherá o poder, pois uma personalidade com poder, ainda que não seja rica, sempre terá o que quer.

E assim esses dois pombinhos vão cometer as maiores atrocidades para que o congressista Frank Underwwood suba rapidamente na cadeia de poder da política estadunidense.

A série é uma releitura de outra que foi produzida na Inglaterra em apenas uma temporada. A versão da Netflix tem a mesma história da versão britânica e mais quatro temporadas.

Evelyn não chega a ser tão cruel quanto Frank, talvez por não ter sido necessário. Não sei se ela mediria esforços para manter sua carreira. A diferença entre eles é que ela é também uma pessoa que se preocupa com os seus, amigos, filha, amantes, maridos. Frank e Claire só se preocupam um com o outro e mesmo assim porque eles têm uma espécie de pacto.

A série que teve contratempos desde as denúncias de abuso sexual contra Kevin Spacey, foi reelaborada para finalizar com apenas um protagonista, no caso Robin Wright.

Ao longo da vida, Evelyn recebe várias indicações ao Oscar, aliás esse é o único prêmio que parece importar. E ela bate na trave quase todas as vezes, até que finalmente leva a estatueta dourada para casa.

Nesse dia, Evelyn aceita a carona do então amigo o produtor e diretor de cinema, de nacionalidade francesa, Max Girard e no caminho ele a convida para passar numa lanchonete e comemorar com hambúrguer e fritas.

Ela topa e eles viram a sensação do drive thru. Extremamente bem vestidos, ela era um rosto muitíssimo famoso, chovem pedidos de autógrafo e fotos com fãs que a reconhecem apesar de ela ter tentado negar que era ela de verdade.

Esse episódio é muito parecido com a celebração de Joaquin Phoenix e Rooney Mara quando ele saiu vencedor do Oscar de melhor ator por Coringa. Ele, militante do veganismo, levou a esposa para comer hambúrguer vegano em uma lanchonete de L.A., o que rendeu muitas fotos excelentes do casal que parecia se divertir de verdade.

Assim como Evelyn, o ator foi indicado ao Oscar outras três vezes, vencendo na quarta indicação em 2020.

Joaquim Phoenix e Rooney Mara comemorando o Oscar dele em 2020

Será que que o casal real se inspirou em Evelyn Hugo para escolher como comemorar?

Por algum tempo a cor verde esmeralda foi como uma assinatura dos vestidos de gala de Evelyn Hugo. O que nos leva à última referência. O melhor para o final.

Enquanto lia sobre as escolhas de vestidos verde esmeralda, um após o outro, não deixei de pensar que Evelyn teria roupas para fornecer a todas as convidadas do Baile Verde.

Uma das escritoras mais fantásticas da literatura brasileira foi Lygia Fagundes Telles. Ótimos romances. Ótimos contos. Ela escreveu um livro de contos chamado Antes do Baile Verde, que é excelente. O título do livro também é o título de uma das histórias.

No conto Antes do Baile Verde uma mulher de classe alta está se preparando para ir a um baile de carnaval em que todas as fantasias têm que ser verdes. Uma empregada da casa está ajudando a bordar lantejoulas na roupa da patroa, que está implorando para a funcionária ficar aquela noite cuidando do pai doente para que ela possa ir ao baile verde despreocupada.

Antes do Baile Verde

Talvez Evelyn passasse despercebida nesse evento, já que seu look verde não seria suficiente para destacá-la. Será? Duvido. Evelyn Hugo nunca seria mais uma na multidão.

O conto dará detalhes da vestimenta da personagem e é uma história muito bem escrita e diferente. As personagens, aparentemente comuns, são apresentadas em um nível de construção psicológica difícil de se ver em um conto.

Não só esse. Antes do Baile Verde e Venha Ver o Por do Sol são os meus preferidos, mas todos eles valem a leitura.

É uma honra recomendar obras de tantas mulheres excepcionais, falando de mulheres excepcionais. Não as perfeitas dos romances água com açúcar, mas mulheres fortes, imperfeitas, inteligentes. Viva Taylor Jenkins Reid, Madonna, Robin Wright, Lygia Fagundes Telles e todas as mulheres do mundo.

 

REID, Taylor Jenkins. Os Sete Maridos de Evelyn Hugo. Tradução: BOIDE, Alexandre. Rio de Janeiro: Paralela, 2019.

FINCHER, David; SPACEY, Kevin; ROTH, Eric; WRIGHT, Robin & outros. House of Cards. EUA: Netflix: 2013 a 2018.

TELLES, Lygia Fagundes. Antes do Baile Verde. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.